A radicalização se retroalimenta. Funciona como uma espécie de viseira através da qual só há uma forma de analisar a realidade. Ou você é a favor, ou contra. Jair Bolsonaro usa essa lógica como arma política. Da cloroquina às Forças Armadas, da China à questão racial, fomos drenados para um terreno infértil no qual tudo o que pensarmos, dissermos ou fizermos ganha automaticamente um rótulo: a favor de Bolsonaro, ou contra Bolsonaro. Só o presidente lucra com isso, porque garante exclusividade no centro do palco.
Escrevi essa semana um texto elogiando as medidas de auxílio emergencial propostas pelo governo, não porque gosto ou não gosto de Bolsonaro, mas porque as medidas são boas. Por outro lado, critico a falta de cuidado com a Amazônia não porque quero derrubar o governo, mas pela preocupação com o planeta, esteja Bolsonaro nesse ou em outro.
Mas o mais curioso é que tanto faz a minha intenção. Porque a maior parte das pessoas só consegue, atualmente, usar essa matriz binária para compreender e julgar. Essa é uma força tão poderosa, que exerce um efeito de pré-censura sobre nós. A tal ponto que condiciona a nossa percepção antes mesmo da compreensão dos fatos.
É assim que o debate vai ficando pobre, com apenas dois lados, como se fossem únicos. Com apenas dois jeitos de ler textos, como se o resto fosse pretexto para, no fundo, ser contra ou a favor do Bolsonaro. Para defender a tese de que a vida é muito mais do que ser contra ou a favor de Bolsonaro, escrevi oito vezes a palavra Bolsonaro.
A armadilha funciona.