Esse adiamento do julgamento dos acusados pela morte de um garoto, espancado em Charqueadas há quatro anos, é um absurdo. Do ponto de vista legal, há pretexto para tudo. Teses, teses e mais teses. E quando elas terminam, começa o interminável desfile de recursos. Por isso, desprezo as artimanhas dos advogados e a fraqueza do sistema, que confunde amplo direito de defesa com possibilidades quase infinitas de protelação. Do ponto de vista do bom senso e da decência intelectual, tanto faz se Ronei Jurkfitz Faleiro Junior, 17 anos, tinha problemas de coagulação, motivo alegado – e aceito – para dissolver o júri. É justamente por isso que não se deve espancar pessoas: porque elas podem se machucar e morrer. O desatino de Charqueadas me fez lembrar Vladimir Herzog, assassinado nos porões da ditadura, em 1975. Depois de alegar que fora suicídio, chegaram a dizer que Herzog não resistiu à tortura porque era muito frágil. Uma boa inspiração para a defesa dos acusados pela selvageria que tirou a vida de Ronei.
Quando o assassino espancou o garoto, queria exatamente o que conseguiu: machucar, e muito. Agora, quatro anos depois, tirar da cartola esse argumento pífio, de que a vítima teria uma “espécie de síndrome que poderia causar sangramento” é quase um segundo assassinato. Não precisa ser gênio da Medicina ou do Direito para saber que a causa do sangramento foram os golpes, registrados por câmeras de segurança e pela troca de mensagens dos bandidos, que celebravam seus feitos via WhatsApp. Transcrevo, abaixo, texto publicado por Zero Hora em 2015:
“Um adolescente de 17 anos foi assassinado na madrugada deste sábado ao sair de uma festa em Charqueadas. De acordo com a Brigada Militar, o jovem deixava o Clube Tiradentes quando foi abordado por pelo menos um agressor, que o atingiu com repetidos golpes usando uma garrafa de vidro quebrada. Os golpes, desferidos contra o rosto e a cabeça da vítima, não foram evitados pelos demais frequentadores. O adolescente não resistiu aos ferimentos e morreu a caminho a hospital. A Polícia Civil investiga qual a motivação do assassinato. Em áudios compartilhados no WhatsApp, o suposto agressor narra a amigos como atingiu a vítima com garrafadas e pontapés”.
Se compreendi bem, o júri foi dissolvido porque paira agora uma suspeita de que a culpa pela morte pode ter sido do rapaz espancado, porque ele teria um problema de saúde. Se confirmada, essa circunstância em nada altera o fato de que ele foi covardemente agredido, repito, “com golpes de uma garrafa de vidro quebrada”. Ora, o que mais precisamos saber? Mais um laudo? Mais uma perícia? O que acontece em Charqueadas é uma vergonha. Quatro anos depois, continuam matando o Ronei, a sua família e os seus amigos.