E se o senhor ganhar?, perguntou o jovem muito magro e alto. O senador Alberto Pasqualini respondeu, com carinho: "Se eu ganhar, tu vais ser o primeiro a me dar um abraço".
Getúlio Vargas se suicidara alguns meses antes. Naqueles tempos, o ponto alto das campanhas eleitorais eram os comícios. Multidões se reuniam para ouvir longos discursos inflamados.
Meu pai, com 20 e poucos anos, iniciava uma promissora carreira de locutor de rádio. Ele era muito magro e alto. Aos 84, continua alto, mas nem tão magro assim. Seguimos em campanha. Pela perda de peso. Acho que agora, no verão, já se viu livre de alguns quilos. O vozeirão, sim. É o mesmo. Por causa dele, foi contratado para ser o apresentador dos comícios do PTB na campanha ao governo do Estado, em 1954. Pasqualini, o grande ideólogo do trabalhismo, era o candidato ao Piratini. Do outro lado, Ildo Meneghetti.
Pasqualini aceitou concorrer por idealismo. Já doente, usava uma espécie de espaldar para se apoiar enquanto discursava. Logo depois, era conduzido até sua esposa, que o esperava sempre embaixo do palanque. Iam embora logo. Era preciso descansar. Foram dezenas de viagens pelo Estado.
Meu pai conta que, em Passo Fundo, João Goulart se juntou aos companheiros. No meio do discurso, praça lotada, travou. Como já conhecia de cor o enredo, meu pai sussurrou: "Fale das mulheres de Passo Fundo". E Jango engatou: "E as companheiras de Passo Fundo, tão cheias de brio e valor…". O pai conta e se diverte. Dá gargalhadas.
Uma das suas cenas prediletas: quando a campanha terminou, foi ao quarto de Pasqualini no Grande Hotel, em Porto Alegre, para agradecer e se despedir. Se surpreendeu quando viu o candidato e sua esposa de malas prontas, mesmo antes do começo da apuração, numa época em que não havia pesquisas.
"O senhor não vai esperar?", perguntou.
Pasqualini sorriu ternamente e explicou: "Em um comício, aqueles que ficam bem na frente são os entusiastas, os eleitores convictos. No meio, posicionam-se os indecisos. E, atrás, os adversários. Havia sempre muito mais gente atrás do que na frente quando eu falava".
"E se o senhor ganhar?", o jovem muito magro e alto perguntou. Alberto Pasqualini respondeu, com carinho: "Se eu ganhar, tu vais ser o primeiro a me dar um abraço".
Meneghetti ganhou.
Meu pai me contou essas histórias poucos dias atrás. Estávamos sentados na sala da casa da praia. Portas abertas, a brisa da manhã fazendo carinho, uma xícara de cappuccino na mão, os cachorros pulando de colo em colo. Conversar com meu pai tem sido um dos grandes prazeres deste verão.
Fiquei pensando na lógica de Pasqualini. Transportei-a para o Brasil de hoje. Para o Rio Grande de hoje. Há muito mais gente longe do que perto do palanque. Ser contra é bem mais fácil. Nem sempre porque queremos. Fomos sendo empurrados pra trás.
Distantes, esquecemos que um abraço é bem mais do que um abraço.
Um abraço é a própria vitória.
CONTINUE LENDO O INFORME ESPECIAL DESTE FIM DE SEMANA (4/2 e 5/2)
De quebra, o sigilo
O problema não é o sigilo sobre as doações da Odebrecht. O problema é o que todos nós faremos quando ele for levantado. Ou quando começarem os vazamentos seletivos.
Os 77 executivos e funcionários da Odebrecht estão acuados. Contaram o que sabem para reduzir suas penas. Mas a memória é incompleta e falha. Durante a Lava-Jato, esse erro foi cometido antes: basta alguém dizer para virar verdade. Numa democracia, não é assim. Vale para o Lula, para a Dilma, para o Aécio, para o Serra, para o Eike, para o Marcelo Odebrecht, para você e para mim.
Estamos todos com os nervos tão à flor da pele, que qualquer nome citado por um diretor da Odebrecht será automaticamente condenado e linchado pela opinião pública. Queremos justiça. Mas a verdadeira justiça obedece a ritos e tempos próprios. Temos o direito de saber quem foi citado, mas temos o dever de esperar para julgar definitivamente.
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Uma delação é apenas o começo. Não é sequer uma denúncia, muito menos uma condenação. Que todos esses ladrões que, há décadas, vêm dançando conforme a música que eles mesmos compuseram sejam punidos.
Mas que isso aconteça com a máxima segurança jurídica. Dentro da racionalidade e do respeito às leis. Talvez demore mais do que a gente gostaria. Mas, se não for assim, é um perigo para todos e para cada um de nós.
TRIBUNA – AQUI, O LEITOR TEM A PALAVRA FINAL
Sobre o uso de uma expressão gauchesca em uma nota:
Que mancada esta frase: "Tiro dado, bugio deitado". Não sei se o nobre colunista sabe, mas andam matando e ferindo bugios no Rio Grande do Sul, por acharem que esses animais transmitem a febre amarela. Seria interessante fazer uma retratação.
Luís Mirapalheta Lucas
Numa época em que desinformados matam bugios pensando que eles transmitem febre amarela, o uso do trocadilho "tiro dado, bugio deitado" foi, no mínimo, infeliz!
Eunice Gus Camargo
Sobre a posição contrária à privatização do Banrisul:
Discordo do teu posicionamento. É o pior banco. Atualmente, o modelo em serviços bancários no RS chama-se Sicredi, que não é do Estado, talvez por isso a eficiência e o bom atendimento. Sou favorável à privatização. E gostaria que o valor fosse integralmente direcionado para investimentos em saúde, educação, segurança e infraestrutura.
Darcy Zottis Filho
Banrisul já deveria ter sido privatizado.O Estado não tem que ficar com banco. O Banrisul só dá lucro graças aos empréstimos que os funcionários públicos fazem para pagar suas contas, minha esposa, inclusive.
Luis Sobotyk