Diferentes veículos de comunicação noticiaram o espanto da comunidade internacional quando a Arábia Saudita foi escolhida, em setembro do ano passado, para liderar um painel sobre direitos humanos na ONU. Afinal, aquele é o país que sentenciou o blogueiro Raif Badawi a mil chibatadas e que costuma executar dissidentes políticos com requintes que rivalizam com o Estado Islâmico. O painel em questão tinha como missão selecionar profissionais para vigiar os direitos humanos e relatar violações pelo mundo. Ter em seu quadro um país com os piores registros nesta seara, naturalmente, desacredita o órgão internacional _ mas o governo de Riad tem o apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido. Uma reportagem do Guardian, também em setembro, revelou que os sauditas e os britânicos teriam realizado um acordo secreto para garantir a presença das duas bandeiras no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
O episódio é um exemplo dos descaminhos que esta expressão _ "direitos humanos" _ tem percorrido nestes tempos. Vemos o problema em todos os lugares, inclusive no Brasil, onde estas duas palavras viraram xingamento no ponto de vista de algumas vozes. No linguajar popular, um determinado segmento acredita que evocar os direitos humanos é "defender bandidos". Trata-se, claro, de uma confusão de ideias de quem acha que o povo deve fazer justiça com as próprias mãos. Mas a quem interessa ter prisões que são o retrato do inferno, nas quais não há lei, nem possibilidade de reabilitação?
O descrédito de alguns a respeito do discurso dos direitos humanos vem no contexto de uma descaracterização da própria ideia de "direitos". Dizem que nossa Constituição de 1988 concedeu direitos em demasia. Na prática, o que vemos é direitos de menos: quem, no Brasil, pode dizer que recebe educação, saúde e segurança pública de qualidade, mesmo que contribua obrigatoriamente para isso na forma de tributos? Onde foram parar os objetivos constitucionais de uma "sociedade livre, justa e solidária", do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e da marginalização e, enfim, da promoção do bem de todos, "sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação"?
A crítica do direito aos "direitos" frequentemente vem acompanhada da proposta de substituição do papel social do Estado no estabelecimento de igualdade de oportunidades pelas leis do mercado. É fato que o poder público brasileiro tem fracassado miseravelmente na garantia dos direitos fundamentais devido a uma combinação de ineficiência e corrupção, mas acreditar no poder corretivo de uma mão invisível é aposta de alto risco. Melhor seria deixar de lado as posições ideológicas extremadas e primar pelo bom senso. Mesmo que isso seja fácil na teoria e difícil na prática.
*O colunista Tulio Milman está em férias.