Quebrou a segunda tecla. Estou em luta contra o sistema. Decidi desafiar um dos pilares do capitalismo. Por enquanto, estou ganhando. É uma luta difícil. Exige paciência e perseverança. Comprei a briga. Vou até o fim.
Meu notebook tem seis anos. Me lembro como se fosse ontem. Nós dois saindo abraçados da loja, eu com medo de que os ladrões me pegassem ali mesmo, ele dormindo seu sono metálico de bebê. Um Apple prateado, veloz, brilhante, inteligente, cheio de possibilidades e de promessas. Desde então, ele tem sido um companheiraço. Nele, escrevi meus melhores textos. E os piores também. Chorei sobre seu teclado, gargalhei diante da sua tela.
De uns meses para cá, notei que meu amigo já não é o mesmo. Primeiro foi a tecla do Enter. Eu costumava enfiar o indicador nela com força, especialmente quando terminava uma frase de impacto. Era uma espécie de assinatura. Descarregava minha emoção naquele pequeno quadrado de plástico. Descarregava, porque ele se partiu ao meio.
Por trás de cada tecla existe um esqueleto de resina, que cumpre a mesma função. Uma espécie de pequena fratura exposta, na qual cravo o dedo – com menos ímpeto – desde então. Semana passada, foi a vez de a tecla Shift quebrar. Causa mortis: fadiga do material.
Imagino que essas lesões no teclado se tornarão cada vez mais frequentes. É programado para ser assim. Além disso, meu computador está mais lento. Já fiz faxinas e mais faxinas. Pouco adiantou. A bateria dura cada vez menos tempo. O carregador está com mau contato. Não vou comprar um novo. É a minha forma de protestar. É a minha pequena revolução, meu enfrentamento ao sistema que decidiu quanto tempo de vida meu computador teria, que preço ele custaria e quando eu seria obrigado a comprar um novo. Perderam, playboys. Sou contra a eutanásia, ainda mais de um amigo tão querido.
Meu note chegou no ponto em que consertá-lo vai ficar caro. Não vale a pena, me dirá o vendedor. Tem um novinho, mais leve, mais bonito. Cento e quarenta vezes no cartão. Aqui, ó! Não quero.
Meu bróder-maçã está cheio de pequenos arranhões e de batidas nas laterais. É um senhor que ostenta, orgulhoso, as marcas do tempo. Sei que, mais cedo ou mais tarde, serei derrotado. Me servirá de consolo o fato de ter empurrado, bravamente, a estatística para cima. Se todos fossem como eu, sei bem o que aconteceria. As teclas não começariam a quebrar depois de cinco anos. Mas depois de quatro, ou três. Mesmo assim, resistirei. Até que a última tecla se desprenda. Até que Steve Jobs, o líder do rebanho, apareça nos meus sonhos pedindo, pelo amor de Deus. E já vou avisando: só se tiver desconto, cafezinho e um monte de novas funções que eu nunca usarei, mas que me farão sentir poderoso e, finalmente, conectado na plenitude com o meu tempo.