Mário Quintana dizia: o bom poema é aquele que lê a gente e não vice-versa. No caso, não é um poema, mas um tanque de guerra transformado em monumento. O que ele lê em você? Morte? Praça da Paz Celestial? Primavera de Praga? 1964? Poder? Libertação? Proteção? Violência? Salvação?
Um tanque é uma espécie de Alef de aço blindado. Um ponto embaixo da escada da História. No mundo todo, monumentos bélicos relembram batalhas e heróis, revoluções e mártires. Derrotados e oprimidos. Um tanque pode ser o fim. Ou a única esperança.
Por isso, o blindado da Avenida Ipiranga, em Porto Alegre, não é necessariamente ruim. Depende do que a gente enxergar nele. E ele na gente. É diferente de gostar ou não gostar.
Por mais ingênuo que pareça, sonho com o dia em que não precisaremos mais de armas no mundo. É o que direi para minhas filhas quando passar com elas pela Ipiranga com Perimetral. Que cada um conte o que sente e o que sabe. Fale de liberdade ou de repressão. Dê nome aos vencidos e os vencedores. Explique o que aconteceu no Brasil e fale sobre o futuro.
Se eu pudesse escolher um monumento para a minha cidade, não seria um tanque. Seria uma ponte em forma de abraço. O Exército conta a sua História. Tem o direito. Ainda mais ali, ao lado de um quartel.
Nossa guerra deveria ser outra. Mais monumentos em Porto Alegre. Mais grafites, esculturas, mais espaços para convivência, mais significado e beleza. E também o tanque. Para lembrar. Discutir. Discordar. Construir.
Até que o distanciamento dos fatos, na perspectiva do tempo, nos amadureça. E quem sabe, um dia, o tanque signifique tão pouco que possamos cobri-lo com flores sem agredir ninguém.