É preciso colocar os óculos do olhar infantil para assistir a Sonic: O Filme, que estreia nesta quinta-feira (13). Caso contrário, seus cem minutos de duração serão transcorridos com uma demora inesperada para uma adaptação cinematográfica do célebre game estrelado por um rapidíssimo ouriço azul. Como adulto, a experiência foi entediante – os raros momentos de brilho visual ou de comicidade são decalcados de outras obras, todas elas também estreladas por personagens velozes. Como pai, adorei a naturalidade com que um casamento entre um branco e uma negra foi tratado e fiquei feliz de ver a valorização da amizade, mas senti falta de uma proposta de reflexão como aquelas que marcam as animações da Disney e da Pixar, por exemplo. É só uma aventura ligeira.
Sonic, o jogo, surgiu em 1991. Desenvolvido pela Sega, do Japão, foi um dos principais videogames daquela década, ao lado dos Super Mario Bros, da Nintendo. Já nessa época havia a ideia de levá-lo para o cinema, o que só foi acontecer agora, não sem percalços – quando lançaram o primeiro trailer, em abril de 2019, os fãs criticaram duramente o visual do ouriço. Disseram, por exemplo, que o personagem gerado por computador se assemelhava mais a um humano fantasiado de Sonic. Não demorou para que aparecessem reedições caseiras consideradas melhores do que a original. Então, o diretor Jeff Fowler, estreante em longa-metragem, anunciou que o design do herói seria retrabalhado, o que adiou a data do filme de novembro para agora.
O visual de Sonic (voz xarope de Ben Schwartz, da série Parks and Recreation, na versão legendada e de Manolo Rey na dublada) está, de fato, bem melhor, menos sinistro e, portanto, mais condizente com o espírito do filme, que começa com um agrado aos fãs: as tradicionais estrelas que formam o logotipo da produtora Paramount foram substituídas pelos característicos anéis do game. Mas, em que pese essa novidade, Sonic é um filme com cara de já visto desde a cena de abertura, em que o ouriço, sendo perseguido pelo vilão, congela a ação e retrocede no tempo para explicar como chegou até ali. Depois desse recurso bastante batido, somos expostos a referências textuais a Star Wars e ao Homem-Aranha e a uma trilha sonora óbvia (ainda que deliciosa): Don't Stop me Now, do Queen.
Simplificando a sinopse, Sonic, em uma cidadezinha americana (Green Hills, outra citação ao jogo da Sega), primeiro atazana e depois fica amigo de um policial Tom Wachowski (James Marsden, novamente contracenando com um personagem digital animal – o anterior foi o coelho de Hop – Rebelde Sem Páscoa). Enquanto isso, o ouriço passa a ser caçado, a mando do governo dos EUA, pelo Dr. Ivan "Eggman" Robotnik – que marca a volta do ator e comediante Jim Carrey ao cinema, após quatro anos de afastamento.
Eu tinha esperança de que fosse um retorno no mínimo interessante, mas Carrey, 58 anos, não parece muito inspirado. Faz suas caretas, faz sua dancinha, mas os diálogos estão longe de causar impacto. Seu momento mais engraçado ocorre apenas em uma das duas cenas pós-créditos – sim, Sonic tem a petulância de contar com duas cenas pós-créditos, cada uma permitindo o vislumbre de uma narrativa diferente, como se estivéssemos diante do começo de uma longeva franquia (engolirei minhas palavras se isso acontecer). Exilado em um mundo inóspito e cheio de cogumelos gigantes, Robotnik raspa a cabeleira, para ficar com o semblante do game, e emula o Coronel Kurtz de Apocalypse Now.
São de citações e referências, como aos gibis do Flash e à cinessérie Velozes e Furiosos, que se alimenta o público adulto. Mas o prato é requentado. Faltou explorar de forma mais criativa o poder do protagonista. As principais sequências de Sonic repetem a tática empregada nos filmes dos X-Men para as ações de Mercúrio, o mutante superveloz: os personagens ficam em suspenso enquanto o ouriço rearranja posições e objetos para provocar efeito cômico. E isso ocorre duas vezes no filme.