Sempre se disse que pesquisa eleitoral é o retrato de um momento da campanha e que não se deve levar tão a sério as sondagens, porque boa parte dos eleitores define o voto na última hora e outros podem mudar de ideia no decorrer do processo, influenciados pela propaganda ou por um fato político significativo. Essa premissa perdeu força com a proliferação de pesquisas, algumas feitas sem rigor científico, outras distorcidas de propósito por partidos ou candidatos e espalhadas pelas redes sociais. O resultado dessa supervalorização das pesquisas é o empobrecimento da democracia.
Quando a eleição de dois turnos foi instituída, a ideia era de que o primeiro serviria para o eleitor conhecer o perfil e discutir as propostas dos candidatos. Os dois mais votados se enfrentariam no segundo turno e, aí sim, o eleitor que não gostasse de nenhum dos dois escolheria por eliminação o “menos pior”. Mais ou menos o que se viu na França, onde os eleitores Jean Luc Mélenchon, da esquerda, não deixaram de votar nele porque as pesquisas indicavam segundo turno entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen, o que acabou ocorrendo. Macron fez 27,3% dos votos, Le Pen, 23,9% e Mélenchon, 21,7%. Ou seja, quase chegou lá. Macron foi reeleito porque a maioria dos eleitores de Mélenchon votou nele para evitar o que seria o “mal maior”, a vitória da extrema direita.
No Brasil, a radicalização da política nos últimos anos subverteu a lógica dos dois turnos. Com pesquisas brotando de todos os lados (inclusive por encomenda do mercado financeiro), chegou-se à conclusão fatalista de que o segundo turno será entre o ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro. Os próprios caciques partidários se encarregaram de asfixiar outras candidaturas, o que é péssimo para um país partido ao meio, que precisa discutir propostas em vez de ficar nessa briga de bugios.
A própria expressão terceira via, criada pelos que sejam uma alternativa a Lula e Bolsonaro, é um equívoco. O primeiro turno deveria ser uma estrada de muitas pistas, em que depois de apresentar as ideias em debates, comícios, redes sociais e propaganda de rádio e TV o eleitor escolhesse o seu preferido e não aquele a quem as pesquisas indicam que tem maior capacidade de derrotar o que não se quer nos próximos quatro anos. Em vez de votar a favor de um candidato, a enxurrada de pesquisas induz o eleitor a votar contra.
A solução não é proibir as pesquisas, como imaginam muitos fazedores de leis. Seria até pior, porque abriria caminho para a disseminação de pesquisas falsas nas redes sociais. Isso já ocorre, mas a possibilidade de cotejo com sondagens feitas por institutos sérios inibe um pouco a vigarice. A solução passa por educar o eleitor para que escolha o candidato pelo passado, pelo presente e pelas perspectivas que oferecer para o futuro. Do contrário, pessoas que poderiam fazer a diferença acabam excluídas do jogo porque, baseado em pesquisas, o eleitor “acha” que não tem chance e se recusa até a ouvir o que têm a dizer.
ALIÁS
Ciro Gomes, Simone Tebet e João Doria podem ter suas chances de crescimento prejudicadas pelas pesquisas em que aparecem com baixos índices de intenção de voto, mas ainda faltam cinco meses para a eleição e, até lá, tudo pode acontecer.