O nome Waldir subiu ao topo dos trending topics no Twitter assim que se tornou público o áudio em que o líder do PSL na Câmara chama o presidente da República de vagabundo e ameaça implodir Jair Bolsonaro. Delegado Waldir é o nome de guerra do deputado goiano que surfou na onda Bolsonaro, ganhou o posto de líder e caiu em desgraça por desavenças com os filhos do presidente e com colegas da Câmara.
O nível da discussão justifica a expressão "saco de gatos", usada para definir a confusão em que se transformou o partido do presidente. Para ser entendido, esse enredo de filme B em que se transformou a o PSL dividido precisa de um flashback.
Corta para 2018. Eleito pelo PP, o então deputado Jair Bolsonaro, que já transitara por diferentes partidos sem esquentar banco, procurava uma sigla para ser candidato a presidente. Rompera com o PSC e estava com um pé no PEN (Partido Ecológico Nacional), que chegou a trocar o nome para Patriota, mas não conseguiu tomar o controle do partido e passou flertar com Luciano Bivar, presidente do PSL.
Com a chegada de Bolsonaro, o grupo de jovens que queria mudar o nome para Livres e assumir um perfil liberal clássico, debandou. Entre eles estava o gaúcho Fábio Ostermann, que migrou para o Novo e se elegeu deputado estadual.
Com a popularidade de Bolsonaro crescendo, o PSL virou um depósito de figuras autodefinidas como de direita. Militares da reserva, policiais, empresários, comunicadores e figuras exóticas que haviam fracassado até em eleição para vereador formaram o exército bolsonarista e elegeram a segunda maior bancada na Câmara (52 deputados, contra 56 do PT).
As divergências começaram a aparecer antes da posse, com uma disputa de vaidades sem precedentes na história da República. Cresceram com a descoberta de que o PSL usou candidatas laranja na campanha de 2018 e explodiram no dia 8 de outubro, depois que Bolsonaro pronunciou a frase "esquece o PSL, tá ok", ao ser questionado por um pré-candidato a vereador de Recife.
Declarada a guerra Bivar, o partido virou um ninho de cobras, com desconfianças recíprocas, traições e divulgação de áudios que revelaram as entranhas de uma crise que teve o presidente e seu filho Eduardo como os grandes perdedores (até o momento).
Inexperiente na articulação política, Bolsonaro tentou destituir o Delegado Waldir da liderança e emplacar o filho Eduardo, ex-quase-futuro embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Deu errado.
Waldir reuniu mais assinaturas do que seus algozes e conseguiu se manter na liderança. Derrotado, Eduardo teve de congelar o projeto de ser embaixador. O áudio em que o delegado chama Bolsonaro de vagabundo foi gravado por um espião, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), com o conhecimento de Eduardo e de outros aliados do presidente, para expor o que imaginavam ser uma conspiração contra o presidente.
— Eu vou implodir o presidente. Aí eu mostro a gravação dele. Eu tenho a gravação. Não tem conversa. Não tem conversa. Eu implodo o presidente — diz Waldir em tom de ameaça.
E acrescenta:
— Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo. Eu andei no sol em 246 cidades gritando o nome desse vagabundo.
Na véspera, vazara um áudio do próprio Bolsonaro, conspirando para derrubar Waldir.
— Estamos com 26, falta uma assinatura para a gente tirar o líder, e colocar o outro. A gente acerta. Entrando o outro agora, dezembro tem eleições para o futuro líder. A maneira como tá, que poder tem na mão atualmente o presidente, o líder aí? O poder de indicar pessoas, de arranjar cargos no partido, promessa para fundo eleitoral por ocasião das eleições, é isso que os caras têm. Mas você sabe que o humor desses caras de uma hora para a outra muda — disse Bolsonaro a um interlocutor desconhecido.
Irado com a derrota e sentindo-se traído, Bolsonaro destituiu a deputada Joice Hasselmann da liderança do governo no Congresso, um cargo quase decorativo, em que ela mais atrapalhou do que ajudou, com seu jeito patrola de ser, que incomodava deputados e senadores. Defenestrada depois de entrar em rota de colisão com Eduardo, Joice desabafou:
— Ninguém teve a dignidade de vir falar comigo e me avisar. Eu ganho uma carta de alforria. Graças a Deus. Estou feliz da vida.