Presos os suspeitos do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a pergunta repetida ao longos dos últimos 363 dias muda. Em vez de "Quem matou Marielle e Anderson?", a questão que a Polícia Civil e o Ministério Público tentarão responder é: "Quem mandou matar Marielle e por quê?".
Anderson morreu porque dirigia o carro, mas não há nenhuma indicação de que fosse o alvo. Pela investigação, o deputado Marcelo Freixo era tão ou mais visado do que Marielle, mas foi ela quem tombou na noite de 14 de março, em uma execução inequívoca. Foram 13 tiros disparados, segundo a investigação, pelo policial militar reformado Ronnie Lessa, tendo como cúmplice o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, motorista do carro que teria ficado de tocaia por mais de quatro horas à espera da vereadora.
A versão preliminar do Ministério Público, de simples "crime de ódio" é possível, mas improvável. O suspeito monitorou os passos de Marielle e de Freixo, demonstrava horror a políticos de esquerda e às causas que a vereadora defendia, mas o delegado Giniton Lages e a promotora Simone Sibílio deixaram claro que o caso não está encerrado e que nenhuma linha de investigação está descartada. O governador Wilson Witzel fez questão de participar da entrevista e sugeriu que, em delação premiada, os presos possam dizer quem mandou matar. Ou seja: o próprio governador acredita que existe um mandante.
O delegado lembrou que duas pessoas foram presas, mas que há 32 mandados de busca e apreensão. Tradução: o quebra-cabeça tem muito mais peças do que as reveladas neste primeiro momento.
A coincidência de Ronnie Lessa morar no condomínio onde mora a família do presidente Jair Bolsonaro, na Barra da Tijuca, dá ao caso um certo ar de literatura policial. Agatha Christie e Georges Simemon não teriam feito melhor.
O delegado e a promotora disseram que a vizinhança com o presidente é mera coincidência. Giniton Lages confirmou que uma filha de Ronnie foi namorada de um dos filhos de Bolsonaro (seria Jair Renan, o que não tem vida pública), mas ressaltou que o fato, para o momento, é irrelevante:
— Mas isso, para nós, hoje, não importou na motivação delitiva. Isso vai ser enfrentado num momento oportuno. Não é importante para esse momento.
Nas redes sociais, circularam ilações irresponsáveis envolvendo o presidente, pelo fato de existir uma foto de Élcio com Bolsonaro. Ora, ninguém pergunta a identidade de quem pede para fazer uma selfie com pessoas famosas.
— Tenho foto com milhares de policiais civis e militares, com milhares no Brasil todo — disse Bolsonaro ao ser indagado a respeito da foto.
Questionado sobre a prisão dos supostos assassinos de Marielle, Bolsonaro respondeu:
— Espero que realmente a apuração tenha chegado de fato a esse, se é que foram eles os executores, e o mais importante, quem mandou matar.
E acrescentou:
— É possível que tenha um mandante. Eu conheci a Marielle depois que ela foi assassinada. Não conhecia ela, apesar dela ser vereadora lá com meu filho no Rio de Janeiro. E também estou interessado em saber quem mandou me matar.
O presidente, seus ministros, seus filhos e seguidores não confiam na conclusão da Polícia Federal de que Adélio Bispo agiu sozinho quando esfaqueou o então candidato em Juiz de Fora, em setembro do ano passado. Também questionam as perícias que indicaram que Adélio sofre de transtornos mentais. Como a investigação é federal, e a PF é subordinada ao ex-juiz Sergio Moro, Bolsonaro não tem motivo para desconfiar de negligência ou de omissão de informações.