O plano de previdência especial dos deputados estaduais do Rio Grande do Sul é uma nítida demonstração do quanto o discurso político pode distanciar-se da prática. O exemplo mais claro disso é o quanto a Assembleia já gastou com a contribuição para a aposentadoria dos parlamentares em relação ao que projetava na época em que aprovou, a toque de caixa, em uma semana, o programa. Segundo dados de um relatório da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), disponíveis no Portal da Transparência, a conta do plano contava com saldo de mais de R$ 8 milhões em 2015, sendo R$ 5,3 milhões depositados pelo Legislativo, e R$ 2,7 milhões pelos integrantes do plano.
Para se ter ideia da dimensão dos valores, é possível compará-los com as projeções que os deputados defensores da proposta faziam à época da aprovação. A estimativa era de que o Legislativo gastaria R$ 1,7 milhão por ano com os 22 parlamentares que aderiram ao plano. Agora, são 20 os inscritos na aposentadoria especial, segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação pelo presidente do PSOL de Bagé, Mario Pinheiro, e, em vez de R$ 1,7 milhão, os cofres públicos desembolsaram R$ 5,3 milhões para beneficiar um pequeno grupo.
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Há ainda outro componente que passou despercebido quando o plano foi aprovado. Na hora de regulamentar a aposentadoria especial, a mesa diretora da Assembleia acrescentou a possibilidade de dependentes dos deputados continuarem recebendo o subsídio após a morte dos parlamentares. Na prática, isso significa que o plano é ainda mais abrangente do que o Fundo Estadual de Previdência do Parlamentar (Feppa), extinto nos anos 90, que concedia a aposentadoria apenas ao beneficiário imediato. Aliás, o Feppa, que conta com mais de
40 beneficiários, custa praticamente o mesmo valor que é desembolsado por ano pela Assembleia para a nova aposentadoria.
Além de todas essas distorções, que já são suficientemente irritantes para os eleitores, surge o paralelo com a reforma da Previdência, em gestação pelo governo Temer. Enquanto o "cidadão comum" possivelmente terá de trabalhar até os 65 anos para poder aposentar-se no máximo pelo teto do INSS, o grupo de 20 excelências do Legislativo poderá receber uma parcela considerável do subsídio (o valor será sempre atualizado pela inflação) assim que completar oito anos de trabalho parlamentar.
Fica difícil exigir da sociedade sacrifícios pelo bem das finanças do país quando os políticos são beneficiados por iniciativas como a aposentadoria especial. O Feppa somente deixou de existir quando os próprios deputados se insurgiram contra o benefício. Na década de 1990, partiu do então deputado José Fortunati (na época, no PT), a ideia de protocolar um projeto para extinguir o fundo. Será que, em 2016, alguém teria coragem de fazer o mesmo?