O vazamento do esboço do acordo de delação premiada do senador Delcídio Amaral pode prejudicar a investigação criminal dos fatos que ele aponta, mas tem efeito político devastador. São tantos e tão graves os delitos listados, que a presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião de emergência com os principais ministros, divulgou notas oficiais rebatendo as denúncias e escalou o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, para responder ponto por ponto aos itens que envolvem o governo.
Na manifestação que fez logo após a reunião, Cardozo tentou desqualificar Delcídio e tratou a delação ainda não homologada como vingança do ex-líder do governo. No Congresso, a oposição comemorou a reportagem da IstoÉ como final de campeonato. Os principais adversários do governo defenderam a renúncia da presidente ou o impeachment. O ex-presidente Lula, contra quem Delcídio levanta suspeitas até mais graves do que as que envolvem Dilma, reagiu com uma resposta de sua pessoa jurídica, o Instituto Lula, negando envolvimento em irregularidades.
Leia mais:
Em nota, Dilma repudia "uso abusivo de vazamentos como arma política"
Cardozo acusa Delcídio de mentir por vingança
Delcídio não confirma conteúdo de reportagem
Nas redes sociais, militantes do PT agarraram-se a dois fatos para desqualificar a reportagem da IstoÉ: a negativa do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e a nota divulgada por Delcídio e por seu advogado dizendo que não confirmam a autenticidade do conteúdo divulgado pela revista. Os dois fatos precisam ser analisados à luz do rito da “colaboração premiada”. É assim que a lei define o que popularmente se conhece por delação premiada.
Primeiro, é preciso registrar que nos acordos de delação premiada os envolvidos assinam um termo de confidencialidade pelo qual se comprometem a não tornar público o conteúdo até que o sigilo caia na Justiça. Vale para o delator, seus advogados e os membros do Ministério Público.
A IstoÉ divulgou reproduções do cabeçalho do acordo e dos anexos com os principais fatos narrados por Delcídio. Nos anexos, pode estar a explicação para a nota do senador, que não reconhece autenticidade nos documentos. Ocorre que os anexos costumam ter mais de uma versão. Em geral, cada fato é um “anexo”, para facilitar a apuração. Os procuradores recebem um anexo e podem solicitar complementações. Já houve casos em que um mesmo anexo teve até oito versões. Essas versões descartadas pelo Ministério Público são destruídas em uma máquina de triturar papel. Já a cópia do cliente fica sob responsabilidade do advogado. Também é possível que o delator mude a versão sobre determinado fato. Não está claro se os documentos divulgados pela IstoÉ são a versão final do acordo, mas a coluna confirmou que ele existe.
A pergunta é: a quem interessa o vazamento? Ao Ministério Público Federal é que não. Foi o sigilo que permitiu a coleta das provas que embasaram a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aceita por unanimidade pelos ministros do Supremo Tribunal Federal.