Ninguém é obrigado a gostar de um artista nem a concordar com suas posições políticas, mas agredi-lo por ter apoiado o PT nas eleições ou por assinar um manifesto contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff é a intolerância elevada a 10ª potência. Os playboys que hostilizaram Chico à saída de um restaurante no Leblon são a encarnação dessa fúria que transita livremente nas redes sociais e, assustadoramente, começa a se materializar nas ruas.
Entre os milhões de fãs que Chico Buarque conquistou em mais de 50 anos de uma das mais promissoras carreiras da MPB, há gente de diferentes linhas ideológicas. Há quem deteste as ideologias e até quem não tenha ideia do que isso significa. E há os que, como eu, consideram legítimo que os artistas, como qualquer cidadão, expressem suas preferências políticas. Afinal, estamos numa democracia. Chico Buarque, o compositor, não cabe nessas caixinhas em que os maniqueístas tentam enquadrar as pessoas usando seus próprios e imprecisos critérios.
Sou fã de Chico Buarque desde os anos 1970, tempo em que ele era um dos ícones da luta contra a ditadura. Tenho quase todos os seus discos, ganhei alguns DVSs, li seus livros (no momento estou lendo O Irmão Alemão) e não tenho medo da patrulha para afirmar que ele é, sim, um dos brasileiros mais talentosos do século 20. Qual dos seus detratores seria capaz de escrever alguma coisa tão genial quanto os versos de Construção? Ou tão especial quanto Futuros Amantes? Qual dos moleques que agrediram o homem Chico Buarque por suas posições políticas escreveria uma história tão pungente quanto O Meu Guri? Quem, entre os que o chamam de ex-artista, deixou para o mundo canções tão capazes de encantar homens e mulheres, como Atrás da Porta, Eu te amo, As Vitrines, Bastidores e uma infinidade de títulos que não cabem numa crônica?
E daí que Chico tem um apartamento em Paris e vai para a França quando lhe dá na telha? Bom pra ele, que ganhou com seu trabalho dinheiro suficiente para escolher onde passar uma parte do ano. Eu ajudei a pagar esse apartamento comprando discos, livros e os ingressos para o seus shows. Eu quero viver num país onde as pessoas possam andar na rua sem ser importunadas por mal-educados que desconhecem o direito constitucional à liberdade de opinião e enchem a boca para dizer que odeiam política.