Mesmo para quem não é fã de esportes e não pretende acompanhar os Jogos Olímpicos, a cerimônia de abertura é um programa irresistível. A cada quatro anos, a curiosidade em torno do megaevento literalmente mobiliza o planeta – calcula-se que 4 bilhões de pessoas assistiram à cerimônia na noite desta sexta-feira, no Rio de Janeiro. Em 2012, a festa que deu início aos Jogos de Londres teve o beatle Paul McCartney cantando o clássico Hey Jude e filminho com James Bond saltando de paraquedas de um helicóptero com a Rainha Elizabeth II.
Diferentemente do cineasta inglês Danny Boyle, diretor artístico da abertura anterior, o trio responsável pela versão brasileira – formada pelos também diretores de cinema Fernando Meirelles, Daniela Thomas e Andrucha Waddington – não fez graça com nenhum dos nossos presidentes, nem com o interino, nem com a afastada. O espetáculo de quatro horas apresentado ao mundo, no entanto, não ficou devendo em nada ao show britânico – ao contrário: o expertise verde-amarelo em criar deslumbrantes óperas populares, adquirido em décadas de Carnaval, fez a diferença no Maracanã.
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O início da celebração foi carioquíssimo, com belas imagens do Rio feitas do alto, ao som de Luiz Melodia cantando Aquele abraço. Se não teve Pelé acendendo a pira olímpica, o sempre Paulinho da Viola cantando e tocando o Hino nacional ao lado de um conjunto de cordas representou muito bem as joias pátrias. O ambicioso espetáculo uniu alta tecnologia em projeções de imagens em telas de LED com danças e encenações criativas, sob o comando da coreógrafa Deborah Colker, para contar a história do Brasil – do surgimento da vida aos dias de hoje, passando pelos povos indígenas, a chegada dos portugueses, a escravidão, os imigrantes de diversos países e as grandes cidades. Teve até sobrevoo de Santos Dumont sobre o Rio a bordo do 14 Bis e desfile por 128 metros da desbundante Gisele Bündchen, usando um vestido metalizado do estilista Alexandre Herchcovitch, ao som de Daniel Jobim, neto de Tom, cantando e tocando ao piano o clássico "Garota de Ipanema".
Outra sacada excelente foi mostrar as disputas entre grupos folclóricos de festas populares brasileiras como se fossem uma partida de videogame sobre o palco, que reproduz um desenho do artista e paisagista Burle Marx. O recado ambientalista também foi passado com bom gosto e contundência por um belo vídeo mostrando o plantio de árvores e flores, enquanto Fernanda Montenegro e a atriz Judi Dench lendo em português e inglês o poema "A flor e a náusea", de Carlos Drummond de Andrade.
Talvez nossa maior riqueza cultural, a música brasileira empolgou com o talento de Elza Soares em Canto de Ossanha em versão eletrônica, os duos de Zeca Pagodinho com Marcelo D2 e MC Sofia com Karol Conka e Jorge Ben Jor defendendo seu hit País tropical – acompanhado depois a capella por todo o estádio.
A boa música brasileira continuou ditando o tom da noite: depois da apresentação das delegações dos países – que também foi inovadora e colorida, com a modelo transexual Lea T puxando de bicicleta o grupo brasileiro, ao som de Aquarela do Brasil –, Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, citou em seu discurso a música Aqui e agora, de Gilberto Gil:
– O melhor lugar do mundo é aqui e agora.
Também merece aplauso a boa sacada de criar os palcos e pódios onde as autoridades falaram e as bandeiras do Brasil e olímpica foram hasteadas como se fossem monumentos criados pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
O clímax da festa começou com o sambista Wilson das Neves batucando na caixinha de fósforos e chamando os grandes compositores do gênero, introduzindo Caetano Veloso, Gilberto Gil e Anitta cantando Isto aqui, o que é?, de Ary Barroso. Como não poderia ser diferente, tudo acabou em folia, com a exibição em conjunto das principais escolas de samba cariocas, em uma apoteose carnavalesca encerrada com o acendimento da pira olímpica – erguida à frente de uma bela estrutura móvel que simulava o sol e seus raios – e uma derradeira queima de fogos de artifício.
Se a Olimpíada do Rio foi antecedida por problemas, trapalhadas e episódios constrangedores, a festa de abertura foi só acerto – dando de relho na cerimônia cafona, tediosa e malcosturada da Copa do Mundo de 2014, no estádio Itaquerão, em São Paulo. Desta vez, o país saiu na frente do ranking da competição: a medalha de ouro de melhor abertura de Jogos Olímpicos já foi garantida.