Parentes e amigos de vítimas de cinco grandes tragédias vividas nos últimos anos no Brasil decidiram unir forças em busca de justiça.
Foi firmada a União das Associações de Familiares de Vítimas de Grandes Tragédias, que reúne pessoas ligadas aos desastres da boate Kiss, em Santa Maria (2013), de Mariana (2015), de Brumadinho (2019), do Ninho do Urubu (2019) e de Maceió (que começou em 2019 e culminou na retirada de moradores, com o afundamento do solo no ano passado).
O primeiro ato da formação do grupo foi a entrega conjunta, em 15 de abril, de um pedido de audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
"A dura realidade mostra que as irreparáveis mortes de tantas tragédias têm como causa inicial a ganância do setor privado e a omissão do poder público", diz a entidade.
A Associação de Familiares de Santa Maria (AVTSM) já havia protocolado petição semelhante na CIDH em fevereiro de 2017 e aguarda trâmite.
A entidade conjunta que agora se forma distribuiu um documento no qual descreve cada um dos episódios, segundo sua versão.
Eis a íntegra das descrições, conforme a perspectiva das associações.
1) Ninho do Urubu – Clube de Regatas Flamengo
"Jovens, todos menores de idade, jogadores da base do clube estavam alojados em um Container, inseguro com péssimas instalações elétricas e sem saídas de emergência. Jovens que seus pais deixaram sob a guarda do clube. O local inseguro foi denunciado pelo Corpo de Bombeiros e mesmo sendo notificado, a diretoria do Clube não tomou as providências necessárias à segurança das vidas dos jovens sob sua guarda. Se omitiu criminosamente como consta nos e-mails obtidos pela investigação policial. Relatórios, investigações e laudos do Corpo de Bombeiros e sem dúvida a inercia das autoridades públicas que não demandaram o fechamento do local que servia de alojamento. O incêndio ocorreu em 8 de fevereiro de 2019 e passados 5 anos ainda não foram julgados os responsáveis que vitimou 10 jovens e deixou 16 feridos. A morte dos jovens foi causada pelo descaso, negligência e irresponsabilidade criminosa dos dirigentes responsáveis pelo clube presidente e diretores que tinham conhecimento oficializados da situação."
2) Tragédia da Boate Kiss
"A tragédia da boate Kiss em 27 de janeiro de 2013 vitimou 242 jovens e deixou 636 feridos. A 5ª maior do mundo em ambiente fechado. Policia Civil indiciou 28 pessoas. O MPRS arquivou os processos de todos os entes públicos da prefeitura. Pais foram processados por promotores e pelo próprio MPRS por criticarem o arquivamento. O laudo técnico condenando a boate antes da tragédia foi ignorado pelo prefeito, secretários e pelo próprio MPRS. O motivo principal da petição à Comissão da Corte IDH foi esse arquivamento de processos, o processo contra os pais e a lentidão do processo, que só chegou ao julgamento e condenação de 4 réus 9 anos depois. E, mesmo com essa justiça parcial, ainda 7 meses depois o júri foi anulado por questões processuais preclusas feitas pela astúcia de advogados que todos sabem como agem. No momento aguardamos a decisão do STF, que esperamos reverta essa anulação e garanta o Direito e soberania do júri estabelecido na Constituição. Nesses anos tivemos contatos com os familiares das tragédias seguintes e a linha clara das causas iniciais dessa sucessão de tragédia é a ganância do setor privado e a omissão do poder Público."
3) Crime de Maceió – Mineradora Braskem
"A tragédia manifestou-se em 3 de março de 2018, quando aconteceu um terremoto de magnitude 2,5 na escala Richter, em Maceió, porque duas minas de exploração de sal-gema se juntaram. Foi uma tragédia anunciada com conhecimento da empresa Braskem que explorou minas de sal-gema desde 1976, de modo ganancioso e sem os cuidados devidos. Relatórios, investigações e laudos do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) atestaram a responsabilidade da Braskem. O desastre/crime socioambiental atingiu aproximadamente 60 (sessenta) mil pessoas diretas, com indenizações materiais e imateriais irrisórias, e mais de 200 mil pessoas sem indenizações, contidos neste número as comunidades com ilhamento socioeconômico que estão condenadas a permanecerem nas localidades que perderam as mínimas condições de abrigar com dignidade seres humanos que lá moram, como as comunidades do Flexal de Baixo, Flexal de Cima, Quebradas, Rua Marquês de Abrantes, Rua Santa Luzia da Vila Saem, Bom Parto e as adjacências da Gruta do Padre.
As violações aos direitos humanos que ocorreram a partir da identificação da tragédia continuam, mesmo após denúncias aos órgãos do sistema de justiça, que na sua maioria continuam inertes ou com uma atuação para ineficaz. O inquérito da Polícia Federal não foi concluído até hoje, e o Ministério Público Federal permanece paralisado quanto à responsabilização penal dos responsáveis, assim após 5 anos os integrantes da empresa continuam sem responder pelos crimes cometidos."
4) Crime do Rompimento de barragem da mineradora Vale em Brumadinho
"O Crime de Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, foi um desastre ambiental e humano sem precedentes, resultante do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, operada pela empresa mineradora Vale. Este incidente devastador resultou na perda irreparável de 272 vidas e causou danos catastróficos ao meio ambiente circundante. Das vidas ceifadas, 249 eram trabalhadores próprios e terceirizados da mineradora Vale, 21 pessoas da Comunidade e turistas, além de 2 nascituros. A tragédia não foi apenas um acidente, mas um crime premeditado. A empresa Vale estava ciente das condições precárias da barragem muito antes do incidente, mas optou por ignorar as advertências. A investigação revelou uma série de ações dolosas por parte da empresa, incluindo a decisão de que o custo associado à perda de vidas humanas seria inferior ao custo de realizar as reformas necessárias para garantir a segurança da barragem e evitar a interrupção das operações.
A ganância corporativa prevaleceu sobre a segurança e o bem-estar das pessoas, como evidenciado pelos e-mails e relatórios obtidos durante a investigação policial. A empresa Vale falhou em sua responsabilidade de proteger tanto as pessoas quanto o meio ambiente.
Apesar da gravidade do crime e das evidências apresentadas, nenhuma das pessoas indiciadas foi responsabilizada até o momento, mesmo após cinco anos do ocorrido. As violações aos direitos humanos persistem, com a impunidade dos responsáveis ampliando ainda mais a dor das vítimas e de suas famílias. A luta por justiça continua."
5) O crime do Rompimento da Barragem Fundão em Mariana
"No dia 5 de Novembro de 2015 ocorreu o rompimento da barragem de Fundão pertencentes a empresa Samarco Mineração uma joint-venture entre a Vale e anglo-australiana BHP Billinton.
O rompimento liberou um volume entre 30 e 60 milhões de metros cúbicos, matando 19 pessoas e 1 abortamento, devastando os subdistrito de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, assim como parte da Zona Rural de Mariana, percorreu aproximadamente 35 municípios de Minas Gerais e 05 do Espírito Santo. Gerando cerca de 600km de destruição e prejuízos sociais e econômicos incalculáveis.
Até o momento não houve punição das pessoas físicas e jurídicas envolvidas. Rios continuam poluídos, solo imprestável, comunidades prejudicas, bens culturais não recuperados. Apenas uma multa foi paga, as demais todas contestadas, a empresa Samarco voltou a operar em 2022. Centenas de pessoas faleceram sem serem indenizadas e reassentadas. Enquanto os que ousam a lutar por direitos vem sofrendo retaliação por parte da Fundação que foi criada para fazer a reparação, reparação essa que está sendo feita a conta gotas enquanto os responsáveis pelo CRIME ampliam seus lucros, cometem novos crimes e ainda causam instabilidade nas populações que vivem no entorno de seus empreendimentos."