Efetivamente, há poucas chances de a resolução apresentada pelos Estados Unidos para uma trégua imediata entre Israel e Hamas no Oriente Médio prosperar.
Alcançar a maioria simples entre os 15 membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas não é difícil. O que provavelmente irá travar o avanço da proposta será o veto de Rússia ou China. Não que esses governos apoiem diretamente o grupo terrorista Hamas, mas eles estão dispostos a minar qualquer iniciativa política americana na região - a Rússia devido à posição americana em relação à Ucrânia, e a China, por contestar, por dentro do sistema multilateral, a hegemonia dos EUA.
O próprio governo americano usou seu poder de veto três vezes até agora para bloquear propostas de cessar-fogo no Conselho de Segurança - uma delas brasileira, apresentada em outubro do ano passado, quando o país exercia a presidência rotativa do órgão. A alegação era de que os textos, o do Brasil inclusive, não explicitavam o direito à autodefesa de Israel, que os EUA entendem como inegociável.
Agora, elaborada pelo próprio Departamento de Estado, obviamente, traz tudo o que os EUA entendem como necessário para uma trégua na região: o fim imediato das hostilidades, a entrega dos reféns israelenses que ainda estão em poder do grupo terrorista Hamas como condição para Israel cessar a ofensiva, e a garantia de Israel à autodefesa. É aí que reside uma contradição: como garantir à Israel o direito de se defender e, ao mesmo tempo, cessar os bombardeios?
E mesmo que a resolução avance na ONU, nada garante que ela será implementada porque não há como forçar um país independente, como Israel, e um um grupo paraestatal, o Hamas, a cumprirem.
Só não digo que a proposta já nasce morta porque é preciso, mesmo em ambiente caótico como a guerra, dar alguma chance à paz. Olhemos o tema, então, a partir de uma perspectiva otimista: há uma mudança de estratégia por parte do governo americano. Há um afastamento da Casa Branca em relação ao governo de Benjamin Netanyahu. Isso já era perceptível a partir de declarações do presidente americano, Joe Biden, que, recentemente, afirmou que Bibi, como o primeiro-ministro israelense é chamado, "está mais atrapalhando do que ajudando". Cresce, no Partido Republicano, preocupações com o elevado número de baixas civis no conflito - mais de 30 mil do lado palestino e de 1,2 mil entre israelenses atingidos pelo atentado terrorista de 7 de outubro, além dos cerca de 250 reféns. Poucas vezes, um presidente perdeu uma eleição devido a aspectos de política externa. Como em toda nação, os problemas domésticos se impõem. Mas não obstante isso pode ocorrer: Biden, candidato à reeleição em novembro, já sentiu, nas prévias democratas, o gosto amargo do apoio incondicional a Bibi. Poderia ter ganho com maior folga em alguns Estados, mas seu percentual foi limitado por eleitores da legenda críticos à postura do presidente no conflito. O alerta foi dado.