Um candidato à presidência assassinado às vésperas da eleição. Tiroteios em comícios e corpos pelas ruas. Um estúdio de TV invadido por criminosos em meio a uma transmissão ao vivo de um telejornal. Nos últimos meses, essa é o cotidiano no Equador, pequeno país sul-americano assolado pela guerra do tráfico. Em 8 de janeiro, o presidente Daniel Noboa decretou estado de exceção em todo o território para combater a crise deflagrada pelo fortalecimento de facções criminosas no país.
Encarregado de Negócios da Embaixada do Brasil na capital equatoriana, Quito, Afonso Nery tem testemunhado, no dia a dia, a violência no país. Cerca de 3 mil brasileiros vivem no país. De férias em Porto Alegre, o diplomata conversou com a coluna.
Recentemente, o senhor participou de uma reunião com o presidente do Equador para tratar da crise de segurança no Equador. Como foi?
Foi um café da manhã que o presidente Daniel Noboa ofereceu ao corpo diplomático. Foi muito interessante. Éramos 43 pessoas presentes. Não só eu, em nome do governo brasileiro, mas todos disseram que estavam à disposição do governo equatoriano. Como sempre sou muito efusivo, eu disse que prestaríamos apoio amplo, geral e irrestrito ao Equador. Esperava-se que aquilo pudesse crescer e tornar o país e a capital um caos.
Por que o presidente chamou o corpo diplomático?
Para explicar que estava atento ao episódio. Tudo começou com a fuga de dois chefes do narcotráfico. Até hoje não se sabe onde estão. Foi em um final de semana. Na sequência, houve uma segnda-feira tensa. Na terça, o narcotráfico resolveu dar mostras do que era capaz. Então, houve a invasão do canal de TV durante a transmissão do jornal ao vivo. Houve explosões de carros nas ruas. Fogo foi colocado dentro de contêineres de lixo. Mas a ação do presidente foi imediata e muito forte.
O presidente decretou estado de emergência.
Ele decretou estado de emergência e toque de recolher a partir das 23h até as 5h. Ninguém poderia estar nas ruas a pé ou de carro. Bares e restaurantes têm de fechar às 22h.
Qual era o objetivo da reunião com o presidente?
Dar uma satisfação à comunidade internacional e para dizer que as forças armadas equatorianas estavam nas cidades, em Quito e Guayaquil. Em Guayaquil, como tem o porto, é por lá que entram e saem drogas.
É um dos portos mais visados da América Latina.
Servi no Equador há 20 anos. Era um paraíso. Não é o Equador que a gente encontra hoje. Mas o narcotráfico no Peru e na Colômbia, vizinhos imediatos do Equador, não parou de crescer. Quando os EUA começaram a empreender uma repressão forte nesses países, o narcotráfico começa a entrar no Equador. O presidente reagiu chamando o governo americano. Hoje, estão no Equador americanos à paisana. Estão de olheiros, procurando qualquer movimento que os levem a tomar alguma atitude.
Qual o real poder desses grupos de narcotraficantes e de Adolfo Macías, o Fito, um dos foragidos?
Eles têm poder. Se você pensar na Colômbia de anos atrás, quando as Farc mandavam no país, é por aí. O narcotráfico não funciona sozinho. É interligado: do México à Argentina, há toda uma cadeia.
O Equador é o entreposto para a exportação da droga?
Os EUA talvez tenham negligenciado o Equador como porto de entrada e saída da droga. Não chega a passar pelo Brasil, porque o maior comprador da droga sul-americana são os EUA.
Por que o senhor foi tão enfático ao descartar que o sequestro do empresário brasileiro Thiago Allan Freitas, em ajenrio, tivesse relação com o tráfico de drogas?
Pessoas que talvez precisassem de dinheiro ou que tivessem inimizade com o brasileiro sequestrado fazem aquilo. Não titubeei em dizer que uma coisa é uma coisa, outra é outra porque pediram resgate de US$ 8 mil. Quem em um assunto envolvendo drogas ia pedir "apenas" US$ 8 mil? Ao pedirem, o filho do sequestrado disse aos sequestradores: "R$ 8 mil não tenho. Mas tenho R$ 4 mil, serve?". Eles (os criminosos) aceitaram e deram números de contas em dois bancos. A polícia pediu que ele, a partir dali, se mantivesse afastado do caso, que foi resolvido de um dia para o outro. (Freitas foi libertado no dia 10 de janeiro)
Como está a vida no país sob estado de emergência?
Nós, diplomatas, independentemente da situação que viva o país no qual estejamos servindo, estamos sempre alheios a isso. Não ignorando, mas somos preservados do que possa estar acontecendo. Há uma imunidade diplomática não escrita porque vivemos nos melhores bairros das cidades, temos carros com placas diplomáticas e porque quem está fazendo a confusão não quer problemas com todo mundo. Nossa embaixada, por exemplo, fica em um prédio nos quinto e sétimo andares. A embaixada do Japão fica no nono e 10º andares. Uma pessoa, ao chegar à recepção, identifica-se e diz o que quer fazer. Só isso já é um escudo.
Qual o futuro da crise?
Acho que essa pressão é grande. Quando houve a fuga dos dois narcotraficantes, nos sete presídios do país, havia quase 900 reféns. As forças armadas entraram em todos os presídios. Os reféns eram civis, a maioria empregados das penitenciárias, alguns visitantes. Isso foi acabando, dia após dia iam soltando as pessoas.