Antes de qualquer coisa, uma observação, para que não passe em branco nem seja naturalizado: há algo errado com um país quando candidatos precisam usar colete à prova de balas e, no caso de Christian Zurita, capacete militar.
O primeiro turno da eleição presidencial no Equador foi assim, marcada pelo medo. Zurita, que há dias vinha denunciando ameaças de morte, foi o candidato que ficou no lugar de Fernando Villavicencio, assassinado no último dia 9.
A atenção com o candidato era tanta que, ao sair da cabine de votação, ele concedeu entrevista a alguns jornalistas, protegido por um cordão de militares que impediam a aproximação a quase um metro de distância do entrevistado. Foi em um momento semelhante a esse, de maior vulnerabilidade, que Villavicencio, correligionário de Zurita, foi morto com três tiros na cabeça, quando entrava no carro após um comício em uma escola. Por isso, além do colete, o capacete, o que tornava difícil identificar o político em meio aos outros militares que faziam sua segurança.
Feito esse parêntese sobre o caráter de exceção do pleito equatoriano, marcado pelo medo, vamos à análise do resultado do primeiro turno.
Luisa González e Daniel Noboa foram para o segundo turno, que será realizado em 15 de outubro. A disputa repete o fenômeno da polarização política conhecido na América Latina. Ela de esquerda, afilhada política de Rafael Correa, o ex-presidente que governou o Equador entre 2007 e 2017 sob a marca do bolivarianismo de Hugo Chávez. A ex-deputada conquistou 33% dos votos. Mesmo de esquerda, trata-se de uma esquerda "diferente", daquelas que só se produzem na América Latina: ela, por exemplo, é contrária ao aborto, mesmo em caso de estupro. Na época em que era parlamentar, Luisa costumava frequentar o plenário utilizando um lenço azul conhecido pela defesa da vida a qualquer preço de movimentos conservadores.
Em segundo lugar ficou Daniel Noboa, com 24% dos votos. Ele é filho de Álvaro Noboa, empresário e oriundo de uma família da elite equatoriana. Noboa, o pai, disputou cinco vezes a eleição presidencial, em três foi para o segundo turno, mas sempre acabou perdendo. O filho tem, agora, a chance de realizar o sonho do pai.
Não é incomum no Equador a esquerda demonstrar força no primeiro turno, chegar em primeiro lugar, mas depois perder no ballotage, como chamam o segundo turno. Isso é ainda mais provável quando se analisa os percentuais dos demais candidatos, praticamente todos de direita ou extrema direita: Jan Topic, da ultradireita, um outsider e ex-paraquedista, que se considera "Rambo", obteve 15%, e Otto Sonnenholzner conquistou 7%. Se esses votos migrarem para Noboa, o que é bem provável de ocorrer dada a rejeição ao correísmo, o candidato da direita tradicional somaria 46%.
A dúvida é para onde irão os votos de Zurita, que ficou em terceiro lugar, com 17%. O candidato de esquerda, jornalista como Villavicencio, denunciava a corrupção do correísmo - ou seja, seu eleitor tende a ser crítico de Luisa, a quem vê como a imagem e semelhança do ex-presidente. Então, é bem possível que, mesmo de esquerda, alguns votos de Zurita migrem para a centro direita, de Noboa, e outra porção, que não vota na direita de jeito nenhum, escolha o correísmo. E há, claro, a possibilidade de que esses eleitores votem nulo ou não compareçam ao local de votação. Se esse montante de votos, de fato, se dividir, pode embolar o resultado, e a presidência ser disputada ponto a ponto.
Mas voltando à questão do medo, personagem fundamental dessa eleição - além da morte de Villavicencio, houve pelo menos outros três atentados políticos nas últimas semanas, um deles também com outra morte de um político, Pedro Briones, ligado ao correísmo.
É impressionante como o Equador foi dragado pela violência dos cartéis. Espremido entre a Colômbia e o Peru, o pequeno país sul-americano foi descoberto pelas quadrilhas.
Os homicídios triplicaram em dois anos - de 7,8 por cem mil habitantes para 25,9 por cem mil. O país e seus portos, no Pacífico, se tornaram entrepostos da droga - não só procedentes da Colômbia e do Peru, mas também da América Central -, que chega, depois, aos EUA e Europa. Existe a pobreza, existe a corrupção, existe a instabilidade política - todas levaram à derrocada do governo de Guillermo Lasso, que precisou dissolver o parlamento e convocar eleições gerais recentemente. Mas a principal missão do candidato que for eleito presidente será retomar para o Estado o monopólio da força.