Um Lula amargurado, irritado e rancoroso circula por Brasília.
No princípio, o inimigo era o mercado. Depois, Roberto Campos Neto, personificação de seu incômodo com a autonomia do Banco Central (BC) e a manutenção da alta taxa de juro.
De terça-feira (21) para cá, a bílis do presidente mira o velho desafeto Sergio Moro.
Depois de dizer que só ia ficar bem quando "fodesse com o Moro", Lula lançou dúvidas, nesta quinta-feira (23), sobre a descoberta do plano do PCC para matar autoridades, entre elas o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, ex-juiz da Lava-Jato e hoje senador pelo União Brasil.
- É claro que é invenção do Moro - disse, em Itaguaí, Rio de Janeiro.
Com uma frase, Lula desacreditou o trabalho de mais de um mês de instituições como o Ministério Público de São Paulo, a polícia militar desse Estado, a Polícia Federal, dirigida por seu ex-chefe de segurança e diretor-geral Andrei Passos Rodrigues, e seu próprio ministro Flávio Dino, da Justiça, que tomou a frente, na quarta-feira (22), para explicar a ação coordenada dos criminosos e pedir que não se politizasse o caso.
Onde está o presidente que conseguiu, pelo diálogo, unir partidos de matizes tão diversos em uma frente ampla que prometia governar para todos? Não falo nem das promessas de campanha, na qual ele se dizia cheio de amor, porque essas combinam mais com slogan de marketing, pouco pragmáticas que são.
Mas, passada a eleição mais disputada da história brasileira, Lula parecia ter compreendido o momento delicado do país, que exigia a superação da polarização. Com oito dias no Planalto, seu governo sofreu o maior ataque à democracia do país desde 1964. O presidente, com os chefes dos outros dois Poderes da República, parecia imbuído da missão de conduzir a nação em meio a esse momento delicado.
Mas não. A cada entrevista, Lula tem se mostrado agressivo, mal humorado até.
A tática de eleger inimigos é antiga e sempre foi utilizada em momentos em que governantes encontram-se sob pressão. Não é o caso de Lula, que sequer completou cem dias de mandato.
Também é uma característica de líderes que optam, por estratégia política, o confronto o tempo inteiro: Nicolás Maduro, Donald Trump, Jair Bolsonaro...
Ao lançar mão desse modus operandi, Lula não apenas se iguala a esses governantes, que tanto criticou, como queima rapidamente o capital político pequeno daqueles que não votariam em Bolsonaro nem no PT, mas abraçaram o voto útil para evitar o presidente que tentava a reeleição. Pior: ofusca acertos de seu próprio governo até aqui, como a recuperação do Bolsa Família, do Mais Médicos, em novos termos, e iniciativas em áreas como igualdade racial, direitos das mulheres, ambiental e política externa, entre outras, o que leva a pensar que seu pior inimigo começa a ser ele próprio.