Nos últimos quatros anos, o mundo olhou de forma estranha para o Brasil: negação pelo governo de dados do desmatamento, floresta Amazônica em chamas, inação ambiental, rejeição em relação à gravidade da pandemia, negacionismo sobre as vacinas da covid-19, desconfiança sobre o próprio sistema eleitoral, acenos a Vladimir Putin, pária global, e ameaças à ordem democrática.
Diante desse cenário de desconfiança, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nos alpes de Davos, ontem, o que a maior parte da comunidade internacional desejava ouvir: o Brasil está de volta ao ordenamento global, com apoio à democracia, aos fóruns de discussão no âmbito das Nações Unidas e, principalmente, à garantia de retomada de crescimento econômico com sustentabilidade fiscal e ambiental.
Aliás, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva simplesmente recortar esse trecho do discurso de Haddad na Suíça e levar a Washington, para o encontro que terá com Joe Biden nos proximos 60 dias, irá gabaritar as expectativas dos Estados Unidos, líderes, ainda que contestados, da ordem liberal pós-Guerra Fria. Basta só não se perder no meio do caminho, em falas de improviso na viagem a Buenos Aires, na próxima semana, quando se encontrará com o presidente argentino, Alberto Fernández, e o ditador Nicolás Maduro, da Venezuela.
Na última vez que a elite econômica internacional se encontrou, em maio do ano passado, o mundo recém dobrava a esquina dramática da história da covid-19, mas ainda avaliava seus custos econômicos e políticos. Hoje, cada vez mais distantes da pandemia, o planeta encara também os efeitos brutais da guerra na Ucrânia: a ameaça nuclear, a alta inflação que derruba governos na Europa, os desafios energéticos, as ameaças à democracia, além do Brasil em países normalmente estáveis, como Israel, e, no horizonte, a recessão global.
Na verdade, uma Davos é pouco para o Brasil reconstruir as pontes dinamitadas com a Europa e os Estados Unidos durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nem os 12 encontros de Haddad em 48 horas com líderes internacionais são, tampouco, suficientes para reconquistar confiança de investidores.
Recuperar o prestígio internacional exige um "tour de force" do governo Lula - e nessa ofensiva de "soft power", Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, não pode ser mero adorno na delegação. Seu conhecimento para a retomada de compromissos históricos de combate ao desmatamento e reforço de energias renováveis vão além dos tapetes vermelhos que líderes internacionais costumam lhe conferir nos fóruns mundo afora. Muitos discursos, seguidos de ações práticas, serão necessários para o Brasil voltar ao tabuleiro de xadrez da política internacional. Davos é apenas o primeiro lance.