Dois anos em um dia. Esse será o cenário para o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, nesta terça-feira (8), quando o país realiza as chamadas midterms, as eleições de meio de mandato. Se os democratas perderem a maioria na Câmara e no Senado, o que é muito provável, o governo Biden, na prática acaba dois antes antes do final do mandato.
Isso porque, sem o apoio da Câmara, a Casa Branca praticamente fica com as mãos amarradas para aprovar projetos ou reformas. Se perder o Senado, terá dificuldades para confirmar membros do gabinete, além de escolhas para o judiciário federal, incluindo uma possível vaga na Suprema Corte.
A vantagem democrata atual é muito frágil. Na Câmara, a Representative House, o partido de Biden conta com 220 assentos contra 212 dos republicanos (três cadeiras estão vagas). Nesta terça-feira (8), serão renovados todos os membros da Casa. Segundo o site Politico, que cobre os bastidores de Washington com extrema competência, 216 assentos estão na categoria "sólido", "provável" ou "inclinado" para os republicanos. Mais dois, e teria maioria. A previsão mostra os democratas, de Biden, com 194 "sólido", "provável" ou "inclinado".
No Senado, o jogo é mais duro, porque democratas e republicanos têm, cada um, 50 assentos. Serão renovados 35. Pela regra do jogo democrático americano, o voto de desempate cabe à vice-presidente dos EUA, que também exerce o cargo de presidente da Casa. Como o cargo é de Kamala Harris, o voto de minerva é do governo.
Na disputa, as pesquisas apontam 49 cadeiras para cada lado. E duas em situação de empate técnico. Nessa eleição, os democratas ainda têm alguma expectativa de manter a maioria.
Os impactos internos e externos são muito importantes. No nível doméstico, se os republicanos recuperarem o controle da Câmara, além de a oposição obstruir qualquer proposta do governo Biden, veremos a antecipação da campanha presidencial, com o ressurgimento político de Donald Trump.
Aliás, o ex-presidente deve esperar apenas o resultado das urnas e aproveitar a esperada vitória dos republicanos para anunciar sua candidatura à presidência para 2024. Também é possível esperar uma enxurrada de investigações e até pedido de impeachment contra Biden - a saída atabalhoada das tropas americanas do Afeganistão, no primeiro ano de mandato, é um prato cheio para os republicanos, sedentos de vingança das ações movidas pelos democratas, então na oposição, a Trump, alvo de dois julgamentos políticos.
A eleição será um termômetro sobre o poder do trumpismo pós-Trump no poder e da real força da extrema direita no Partido Republicano.
Entre os eleitores, as Midterms normalmente servem para punir o presidente que está no poder. Pelo menos desde 1990, o partido que comanda a Casa Branca costuma sofrer derrotas na eleição de meio de mandato. Bill Clinton perdeu 54 assentos na Câmara, Barack Obama, 63, e Trump, 40, por exemplo.
Atualmente, 53% dos americanos reprovam o governo Biden, acusado, de entre outras coisas, não conseguir evitar que o país caminhe para a recessão. A inflação, de 8,2% em 12 meses, é a maior em quatro décadas. Os alimentos aumentaram 11%, e o preço da energia subiu 19,8%. Claro que não é tudo culpa de Biden - muito dessa crise vem do pós-pandemia e da guerra na Ucrânia, mas, para o eleitor médio, é o pleito é a hora da vingança.
E aí entramos nos reflexos externos. Se os republicanos conquistarem a maioria no Congresso, é muito provável que seja cortada a ajuda financeira à Ucrânia, até agora estimada em US$ 50 bilhões em auxílio em armas, outros equipamentos e apoio humanitário - o dobro de todos os países da União Europeia. Como se sabe, sem apoio externo, o país de Volodimir Zelensky não resiste por muito tempo à agressão russa.
A lógica é a seguinte: com tantos problemas internos, por que gastar dinheiro com uma guerra que não é dos americanos? Trata-se de uma versão atual do slogan trumpiasta "Make America Great Again". Uma das principais vozes contrárias a continuar enviando dólares para o Leste Europeu (um "cheque em branco, na visão dos republicanos) é do provável futuro presidente da Câmara, Kevin McCarthy. Há também toda uma ala mais radical do partido, próxima a Trump, que repete o mantra de Vladimir Putin segundo o qual as forças russas estão lutando contra neonazistas. Sem falar que entre os próprios democratas começa a haver fissuras no apoio a Zelensky.
Na primeira eleição depois da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, essa uma espécie de teste para a própria democracia americana. A polarização da sociedade não acabou com a saída de Trump. Ao contrário, o país está mais dividido, e os partidos tanto democrata quanto republicano viram crescer as alas radicais. Trata-se de um ensaio para 2024.