Desde o início da guerra no Leste Europeu, em 24 de fevereiro, falava-se do risco de transbordamento do conflito para além das fronteiras ucranianas, ou seja, que outras nações, especialmente do Ocidente, fossem dragadas para um enfrentamento direto contra a Rússia. Uma das formas mais prováveis de isso ocorrer seria se, de forma intencional ou não, armas russas atingissem um país integrante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Estivemos muito perto de ver isso em algumas ocasiões, quando mísseis russos começaram a cair em regiões do oeste da Ucrânia em março - nos aeroportos de Lutsk (80 quilômetros da fronteira polonesa) e de Ivano-Frankivsk (cem quilômetros). Depois, foi a vez da unidade militar de Yavoriv, a apenas 25 quilômetros da fronteira da Otan. Nesse último caso, além de matar 35 pessoas, o ataque atingiu o Centro Internacional para a Manutenção da Paz e Segurança (IPSC), utilizado para treinamento de militares ucranianos e membros da Otan, em uma parceria entre as forças armadas do país e nações da aliança militar (a Ucrânia, como se sabe, não é membro da Otan).
O risco de mísseis sobrevoarem a Ucrânia e ultrapassarem suas fronteiras sempre pairou, nesses quase nove meses de guerra, como uma possibilidade remota, mas real. Vladimir Putin não seria capaz de cutucar a onça com vara curta: ou seja, isolado que está, atrair a ira da organização militar integrada por três nações nucleares (EUA, França e Reino Unido).
Intencional ou não, o risco existe. As explosões de dois mísseis, que caíram no vilarejo de Przewodów, na Polônia, significa que a guerra atinge nível ainda mais perigoso porque tem potencial suficiente para fazer girar as engrenagens da Otan a partir do artigo 5, segundo o qual "um ataque contra um membro é um ataque contra todos".
Até agora, esse artigo servia mais como dissuasão - ou seja, afastava nações inimigas do desejo de atacar justamente para evitar a resposta pesada da Otan. A única vez em que foi ativado ocorreu quando os Estados Unidos sofreram os atentados terroristas de 2001.
Ainda que não se chegue ao artigo 5, pelo menos o 4 será acionado: por meio dele, as partes podem se consultar sempre que, na opinião de qualquer delas, estiver ameaçada a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma delas. A Polônia deve ativá-lo nesta quarta-feira (16).
A Polônia, aliás, não tem dúvidas de que os mísseis são russos. Em Bali, na Indonésia, o presidente dos EUA, Joe Biden, prefere cautela, ao pedir mais investigações sobre a origem - e tudo indica, até agora, que possa ter sido disparado pela própria Ucrânia, em gesto de defesa aérea. A Rússia nega ter disparado os artefatos.
A queda dos mísseis na Polônia pode até ser barbeiragem russa no dia em que uma chuva de mais de 90 foguetes caíram sob a Ucrânia, mas, como se sabe, tragédias mundiais já começaram por erros de cálculos. Cautela é, neste momento, a melhor posição.