Desde segunda-feira (6), quando os Estados Unidos anunciaram um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno, em Pequim (China), que ocorrerá em fevereiro de 2022, vários outros países, aliados americanos, tomaram a mesma decisão. Austrália, Reino Unido e Canadá também afirmaram que não irão enviar autoridades de governo ao evento - isso não impede, no entanto, que atletas desses países participem das competições. O boicote é, por enquanto, apenas "diplomático".
Por que o boicote?
Trata-se de um protesto contra as violações de direitos humanos cometidas pelo regime chinês, comandado pelo Partido Comunista, contra os uigures, população que habita a província de Xinjiang, no noroeste do país.
Quem são os uigures?
São etnia que habita predominantemente há séculos a região autônoma de Xinjiang. Essa população, que é muçulmana, é uma das 56 etnias reconhecidas pelo governo chinês (a predominante é a etnia han). Os uigures são muçulmanos e identificam-se culturalmente muito mais com os povos da Ásia Central (do Paquistão e do Afeganistão, por exemplo) do que com o resto da China. No começo do século 20, os uigures chegaram a declarar independência. Mas o separatismo não avançou, e, em 1949, com a tomada do poder por Mao Tsé-tung, o governo de Pequim passou a controlar Xinjiang. Nos últimos anos, a região presenciou uma intensa migração de chineses da etnia han, e os uigures passaram a reclamar de discriminação. Vários relatórios de organizações independentes internacionais, que coletaram testemunhos de uigures, atestam dizem que o tratamento do governo chinês a esse grupo minoritário constitui crime contra a humanidade, em razão de práticas para reduzir a taxa de natalidade de uigures, como esterilização forçada e aborto. Centenas de milhares de uigures - possivelmente mais de 1 milhão - foram presos sem justa causa e levados a "campos de reeducação" para trabalhos forçados, que lembram a Revolução Cultural empreendida por Mao. Relatos dão conta de tortura e abuso sexual nesses locais.
Os uigures reclamam de perseguição por falarem sua língua nativa (estreitamente relacionada ao uzbeque e semelhante aos idiomas cazaque, quirguiz e turco), manter sua cultura (mais ligada aos uzbeques e cazazes) e praticar sua religião, o Islã de vertente sunita. Grupos armados separatistas afirmam que a região não é legalmente uma parte da China e, por vezes, realizam atentados contra policiais e funcionários do governo de Pequim. Um desses grupos é chamado Movimento Islâmico do Turquestão Oriental, acusado pelo Partido Comunista de ter laços com organizações extremistas como o Talibã e a rede Al-Qaeda.
Onde fica Xinjiang?
Xinjiang é uma região autônoma da China, como o Tibete. Sua capital é Urumqi, onde vivem 2,3 milhões de pessoas. Ao todo, na província, vivem 10 milhões de uigures. Xinjiang é rica em recursos naturais e sua economia tem girado em torno da agricultura e do comércio. Suas cidades já foram pontos de parada principais ao longo da histórica Rota da Seda. Por ali passam também importantes corredores do megaprojeto de infraestrutura da China chamado Belt and Road Initiative, conhecido como a Nova Rota da Seda. A região ficou sob domínio chinês depois que a dinastia Quing assumiu o controle em uma campanha militar no século 18. Nos anos 1930 e 1940, duas repúblicas de curta duração reivindicaram independência, mas as áreas foram ocupadas pelo Partido Comunista quando Mao assumiu o poder em 1949.
O que diz o regime chinês?
O governo acusa militantes uigures de realizar uma campanha violenta pela independência de Xinjiang, com ataques a bomba e incitando a população à revolta. Também acusa os grupos armados de terem recebido treinamento em campos de terroristas no Afeganistão - essa suspeita ganhou corpo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 e das ações americanas na Ásia Central. A China diz que os "campos de reeducação" têm o objetivo de evitar o extremismo islâmico. O PCC monitora o trabalho de jornalistas internacionais na região, o que impede relatos independentes. Na terça-feira (7), a organização Repórteres Sem Fronteiras denunciou que mais de 70 jornalistas locais, de origem uigur, estão detidos. Em relação ao boicote americano, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China classificou o ato como "arrogância", disse que se tratava de uma "provocação política direta" e prometeu respostas com "firmes contramedidas".