Os primeiros 30 dias de Joe Biden na Casa Branca, lembrados neste sábado (20), podem ser divididos em três fases: primeiro, a emoção da posse, anunciada como o início de uma nova era. Segundo, um período de discrição no Salão Oval, quando qualquer atividade do novo governo estava ensombrecida pelo processo de impeachment de Donald Trump, que não apenas dominou o noticiário americano como entravou a agenda do Congresso. E o terceiro, a hora da ação, de colocar a mão na massa.
O republicano, agora, é passado. Ainda que possa voltar a se candidatar em 2024, Trump vem, aos poucos, desaparecendo da mídia - em parte graças a seu autoexílio em Mar-a-Lago, na Flórida, e em parte por continuar bloqueado pelas redes sociais.
Mais discreto do que o antecessor, Biden reinstalou, neste um mês, a normalidade política no centro de decisão, utilizando-se primeiramente de coletivas de imprensa (e não das redes sociais) para comunicar ações de governo, por exemplo.
O discurso de posse de Biden, apelando à unidade, cedeu lugar a medidas concretas que, até agora, tiveram o objetivo de desmontar o legado de Trump - algo que o republicano também fez nos primeiros dias do mandato, em 2017, em relação a Barack Obama.
Tudo o quanto foi possível fazer por meio de ordens executivas - que não precisam passar pelo Congresso -, Biden o fez para desfazer ações do antecessor: só até o 20º dia na presidência, ele havia assinado 29 determinações, o maior número desde o presidente Franklin D. Roosevelt, que governou durante a Grande Depressão. Alguns dos canetaços foram executados nas primeiras horas no Salão Oval, ainda no dia 20 de janeiro, como o retorno dos EUA ao Acordo de Paris sobre mudanças climáticas e ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e a interrupção do processo de saída da Organização Mundial da Saúde (OMS). Essas medidas tinham como claro objetivo enviar um sinal ao mundo de que os EUA, responsáveis por erigirem a ordem liberal pós-Segunda Guerra e fechados em si mesmos nos últimos quatro anos, estavam de volta ao sistema multilateral.
Outras ações, tiveram impacto doméstico e regional - mas não menos simbólico: a aceitação de soldados transgêneros nas forças armadas, a suspensão da construção do muro na fronteira com o México e o fim daquela norma que, em última instância, levava crianças filhas de migrantes ilegais a serem separadas dos pais ao serem apreendidas.
Colocar ordem na casa, porém, exige muito mais. Os Estados Unidos continuam sendo o país com maior número de mortos e infectados por covid-19. Em entrevista ao âncora da CNN Anderson Cooper, na terça-feira (16), Biden prometeu que, até julho, haverá doses suficientes para vacinar todos os americanos.
Antes, vão começar as batalhas no Congresso. O chamado Plano de Resgate Americano, que prevê US$ 1,9 trilhão, com foco em ajudar famílias e empresas durante a crise, deve ser encaminhado nos próximos dias a um parlamento ainda traumatizado pelo ataque do dia 6 e dividido pelo impeachment. Com maioria na Câmara, os democratas devem aprovar o projeto com relativa facilidade, mas, no Senado, o jogo é outro. Não dá para contar apenas com o voto de desempate da vice, Kamala Harris. A capacidade de articulação política de Biden, que passou um terço de sua vida no Capitólio, será colocada a prova.
Na quinta-feira, outro projeto tomou a frente: a mais ousada reforma migratória desde 1986, quando Ronald Reagan assinou anistia e legalizou quase 3 milhões de imigrantes sem documentos, foi apresentada. Agora, a ideia é tentar regularizar a situação de 11 milhões de ilegais.
As primeiras quatro semanas também foram de recados internacionais: há ensaio para retorno ao acordo nuclear com o Irã, a adoção de linguagem dura contra a China na questão dos direitos humanos - seguida de aproximações perigosas entre as marinhas dos dois países no Mar do Sul da China - e uma extensa ofensiva diplomática para arregimentar participantes do fórum sobre mudanças climáticas, que Biden planeja organizar para 22 abril, Dia da Terra.
Nesse último item, entra o Brasil. Nos últimos 12 dias, houve intensa troca de telefonemas e videoconferências entre funcionários do Departamento de Estado americano e do Itamaraty em busca de desfazer a imagem de esfriamento das relações com a eleição do democrata, depois da demora excessiva do governo brasileiro em parabenizar o eleito e do apego a Trump. Ainda falta o telefonema entre Biden e o presidente Jair Bolsonaro, mas, de uma semana para cá, os americanos têm tentado dissipar a ideia de que há ruídos na relação com o Brasil. Houve o encontro virtual entre Ernesto Araújo e Anthony Blinken e, mais recente gesto, a conversa de John Kerry com o chanceler e com o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Tanto o Departamento de Estado quanto a Casa Branca têm ressaltado a parceria entre os dois países e destacado que, apesar das divergências com Bolsonaro, a ideia é manter o diálogo.