Educação, sobriedade e qualificação deveriam ser pré-requisitos de um candidato a qualquer cargo público, ainda mais a presidência ou a vice-presidência dos Estados UNidos. São qualidades que não precisariam ser destacadas, não fosse o show de horrores a que assistimos no debate do dia 29, entre Donald Trump e Joe Biden - especialmente, protagonizado pelo destempero do presidente republicano.
Diante desse retrospecto, o duelo na TV, na quarta-feira (7), entre os candidatos à vice-presidente, Mike Pence e Kamala Harris foi uma demonstração de como estar à altura do cargo que pretendem exercer.
Houve algumas interrupções por parte de Pence (bem menos do que Trump no debate anterior), os microfones permaneceram abertos nos 90 minutos de encontro, o episódio da mosca sobre o cabelo do republicano entrará para o anedotário da política americana, mas as principais marcas do primeiro e único duelo entre os companheiros de chapa de Trump e Biden foram a qualidade dos debatedores, a cordialidade e a maior profundidade das ideias.
1 Quem venceu
Pesquisa da rede CNN apontou que, para 59% dos entrevistados, a vencedora do debate foi Kamala Harris. Para 38% foi Pence.
2 À altura dos cargos
Ao contrário do debate entre Trump e Biden, o duelo de quarta-feira (7) foi sóbrio, com cordialidade e educação entre os competidores. Nem por isso foi morno. Houve momentos de críticas mútuas, mas com respeito. O comportamento dos vices está à altura do cargo que eventualmente ocuparão. Ambos também se cacifam a disputarem a eleição em 2024 para presidente - Trump não poderá concorrer ao terceiro mandato, e Biden terá 82 anos - ele já insinuou que, devido à idade avançada, não tentará a reeleição.
3 Moderadora
A moderadora Susan Page, do USA Today, foi rígida com os tempos e não permitiu interrupções. Saiu-se bem melhor que o colega Chris Wallace, da Fox News, no debate passado - desta vez, os concorrentes ajudaram. Pence, muito menos do que Trump, tentou interromper algumas vezes Kamala, mas a própria senadora se encarregou de não permitir. A adversária não deixou barato.
- Senhor vice-presidente, eu estou falando - disse, em uma das várias ocasiões em que foi firme com o vice-presidente, não aceitando interrupções.
O republicano também se estendeu alguns segundos a mais nas respostas, apesar da insistência de Page para que ele obedecesse o tempo. Os microfones, apesar do caos do debate do dia 29, seguiram abertos o tempo inteiro - algo que a comissão de debates não parece disposta a mudar.
4 Pandemia
Covid-19 foi o grande tema do debate, péssimo para Pence, que coordena a força-tarefa da Casa Branca no combate ao coronavírus. Kamala acusou o adversário de gerir mal a pandemia, classificando a atuação republicana como "o maior fracasso de qualquer mandato" presidencial. Pence respondeu que a rival "faz política com a vida das pessoas" e prometeu uma vacina até o fim do ano. Kamala citou o livro do jornalista Bob Woodward, segundo o qual Trump sabia da gravidade do vírus, mas não divulgou para não provocar pânico. Penceu tentou interromper, reivindicou tréplica e recebeu a oportunidade de falar. Kamala afirmou que, se a vacina fosse recomendada por especialistas, seria a primeira da fila a se imunizar. Mas que, se "Donald Trump nos disser para tomar, eu não irei tomar". Além de confusa, a frase soou como negacionismo ao contrário.
5 Calma e conhecimento
Diferente de Trump e Biden, Pence e Kamala mostraram calma e controle enquanto falavam. Ambos apresentaram-se como muito qualificados e experientes. Dirigiam os olhares ora para a mediadora, ora para a câmera (mirando o telespectador), ora para o adversário. Pence teve longa carreira no Congresso, está acostumado a debates. Perto de Trump, é um gentleman. Kamala domina a retórica, foi procuradora-geral do Estado da Califórnia e é senadora. Demonstrou segurança e assertividade, com simpatia.
Kamala e Pence deixaram de responder explicitamente a duas perguntas importantes, temas pungentes da campanha. A democrata tergiversou ao ser questionada se, em eventual governo Biden, ampliaria a Suprema Corte. Pence fugiu da pergunta sobre se Trump aceitaria o resultado da eleição, caso perca a disputa.