A imagem de capa da revista Time desta semana (foto) reúne em uma só fotografia o primeiro e o quinto mundo: separados por uma avenida estão residências de alto padrão e um gigantesco assentamento de casebres.
Não, embora pareça, não se trata do Brasil. O clique feito pelo fotógrafo Johnny Miller, por meio de um drone, revela um dos traços mais dramáticos da África do Sul pós-apartheid: a desigualdade.Miller chama seu projeto de “Unequal Scenes” (“Cenas Desiguais”). O conjunto do trabalho exibe imagens de desigualdades também em Baltimore, Mumbai, Cidade do México, Nairóbi e outras.
Mas voltemos à África do Sul. À esquerda na foto está Primrose, bairro rico de Johanesburgo.
À direita, Makause, um dos tantos guetos de pobreza símbolos do regime de segregação racial que ensanguentou a nação por mais de quatro décadas. Unidos na mesma imagem, os dois locais são um microcosmos do país onde os 10% mais ricos sugam quase 70% da renda nacional. A título de comparação, no Brasil essa apropriação é superior a 50%.
O apartheid terminou em 1994, mas, passados 25 anos, seus reflexos seguem vivos: a média salarial para trabalhadores brancos é três vezes maior do que para negros, e o desemprego atinge 27% da população. A economia cresce pouco. Em 2018, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 0,8% – o Brasil cresceu 1,1%.
Todas as mazelas sul-africanas podem ser colocadas na conta do apartheid? Em parte. As dificuldades econômicas e sociais sul-africanas são também resultados do esquema implantado por Jacob Zuma e sua família, que saqueou o país. Aliás, até nisso há comparações com o Brasil. Enquanto por aqui a Operação Lava-Jato investiga laços do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com empreiteiras, do outro lado do Atlântico, a procuradoria-geral pôs Zuma contra a parede até a renúncia, no ano passado.
Em comum: contratos suspeitos, aproximações com as maiores companhias de infraestrutura do país, favorecimento de familiares e uma mansão em Dubai, versão sul-africana do caso do triplex.
Ironicamente, Zuma era do mesmo partido de Nelson Mandela, o histórico Congresso Nacional Africano (CNA), responsável pela luta contra o apartheid. Nas eleições de três anos atrás, o partido obteve o pior resultado de sua história (54%) e perdeu o controle de cidades como Johanesburgo e Pretória. Até meses atrás, havia quem acreditasse que, depois da era Zuma e seus asseclas, o CNA nunca mais conseguiria recuperar a confiança da população.
Enganou-se quem apostou no fim do partido. Salvo um acidente de percurso, Cyril Ramaphosa deve ser eleito presidente nas eleições desta quarta-feira (8). Vice de Zuma, ele assumiu o poder com a queda do primeiro.
É visto como uma nova chance para a legenda em particular e para toda a África do Sul. O político tem dito ser o homem da mudança (pesa contra ele, o desgaste de uma legenda que está há 25 anos no poder) e que irá pôr fim à corrupção.
A seu favor, exibe o legado de Nelson Mandela – durante muito tempo, foi considerado seu sucessor. A dúvida é o que fará com o peso dessa herança. Zuma, companheiro de Mandela na prisão de Robben Island por 10 anos, por exemplo, tentou afundá-la.