O primeiro submarino da Marinha brasileira construído no Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro, entrará em operação no dia 14 de dezembro. A estreia do Riachuelo, S-BR1, da classe Scorpene, é simbólica porque abre a série de produção de quatro embarcações convencionais que culminará na construção do primeiro submarino de propulsão nuclear brasileiro, clímax do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub).
O projeto do submarino nuclear, que completa 10 anos em 2018, consumiu R$ 21 bilhões em valores corrigidos pela inflação. É motivo de orgulho para Marinha, apesar dos atrasos. O programa teve o cronograma adiado pela crise econômica, que limitou repasses de verbas nos últimos anos.
O primeiro submarino de propulsão nuclear brasileiro (SN-BR) empregará sistemas e tecnologias do Riachuelo. Por isso, a construção de submarinos convencionais é importante, para dar experiência e escala de produção de equipamentos que serão comuns aos dois tipos de embarcações.
Nesta sexta-feira, o diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, almirante-de-esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Jr., esteve em Porto Alegre, conversando com empresários, políticos e pesquisadores de diferentes universidades gaúchas, em busca de sensibilizar a opinião pública sobre a importância do projeto.
Durante palestra, na Capitania Fluvial de Porto Alegre, o militar apresentou detalhes dos programas. São quatro submarinos convencionais e o nuclear. Outro programa associado prevê o desenvolvimento do primeiro reator atômico construído no Brasil, que deve entrar em fase de testes em 2022. O submarino nuclear será chamado de Álvaro Alberto, almirante pioneiro do projeto atômico da Marinha.
Albuquerque Jr. explicou os argumentos da força naval para desenvolver os projetos. Conforme o militar, o Brasil é o único país, entre grandes nações com tecnologia nuclear, que usa esse tipo de pesquisa para fins pacíficos. Diferentemente de equipamentos convencionais, movidos a diesel, o submarino nuclear não precisa subir à superfície para reabastecer de oxigênio. Isso dá maior autonomia, velocidade e o torna mais furtivo em combates.
— Noventa e cinco por cento da nossa economia é fruto do mar, 10% da carga mundial chega ou sai dos quase 130 portos privados e estatais brasileiros. Nossa soberania depende da segurança do mar — explicou o almirante.
O militar disse que o desenvolvimento de tecnologia nuclear pelo Brasil, embora para fins pacíficos, é visto às vezes com desconfiança pela comunidade internacional. Por isso, ele tem dado garantias de transparência à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), cujas inspeções com e sem avisos prévios são feitas com frequência. Durante a palestra, o almirante foi questionado sobre a segurança do material nuclear e de detalhes técnicos, como sistemas do submarino, composto por 950 mil componentes, o que torna sua construção mais complexa do que a de um Boeing 777, segundo ele.
— É um relógio suíço de 60 toneladas — brincou.
Com a incorporação do Riachuelo à frota brasileira, o país contará, a partir de dezembro, com cinco submarinos convencionais. Outros três serão construídos nos próximos anos. O equipamento nuclear só deve ser concluído em 2028, segundo previsões otimistas.
Ao final da palestra, ele conversou com a coluna.
"É lógico que determinados países não veem com bons olhos um outro estar entrando no negócio"
Nos anos 1990, o programa do submarino nuclear foi afetado por contenção de gastos. A troca de governo pode comprometer o projeto?
A Marinha é do Estado brasileiro. Então, ela tem de conduzir seus projetos na duração que podem ser executados. O motivo de eu estar aqui, falando para a sociedade rio-grandense, como faço em outros Estados, é mostrar os programas, dar satisfação de como eles estão, como se encontram e para onde vão e da necessidade de recursos. Temos recebido desde 2008, quando foi assinado o acordo de parceria estratégica com a França, os recursos necessários para que possamos lançar o submarino (o Riachuelo) no final do ano. Foi dentro do cronograma, previsto? Não, tem um atraso de dois anos. Mas isso não foi só por conta de recursos, foi também pelo desafio tecnológico que tivemos de superar. Saímos do zero e em pouco tempo realizamos muito. Depende da economia do país, se a economia não vai bem, evidentemente seus programas vão ter algum tipo de restrição em determinado período.
Mas o programa do submarino nucleares parece ter sobrevivido ao período mais crítico da crise econômica.
Os últimos anos foram muito difíceis e conseguimos dar prioridade. Faltou recurso, mas nós priorizamos para que não fosse um atraso que comprometesse o programa. Estamos conduzindo, depois de 10 anos, esse programa, com resultados bastante positivos. Sempre que há falta de investimento, a gente prioriza aquilo que é fundamental para que o programa não pare.
O Riachuelo é simbólico porque é o primeiro construído na base naval onde está sendo desenvolvido o submarino nuclear. Qual a importância para a Marinha?
Construímos na década de 1990 quatro submarinos convencionais, fruto de um contrato com os alemães e adquirimos capacitação para construí-los em nosso arsenal. Eles foram construídos no arsenal de Marinha no Rio de Janeiro. Esses novos estão sendo construídos em Itaguaí, onde será desenvolvido o submarino nuclear. Para construí-lo, você necessita de um centro de manutenção especializado porque trabalha com combustível nuclear, tem de ter características e condições de segurança que permitam isso.
O fato de o Brasil estar desenvolvendo um submarino nuclear pode deflagrar uma corrida armamentista na América do Sul, com países vizinhos também buscando essa tecnologia?
Isso é um receio e até foi veiculado, talvez fomentando uma polêmica. Nosso maior parceiro na América do Sul é a Argentina, parceiro comercial e de muitas outras coisas. E temos uma relação com eles bastante transparente. Recebi, no início do mês, uma delegação argentina que visitou nossas instalações para identificar aquilo em que podemos trabalhar juntos. No dia 7 de novembro, vou a Buenos Aires para participar de um seminário organizado pela embaixada do Brasil e com participação de técnicos, empresas e órgãos governamentais brasileiros e argentinos.
O senhor tem se esforçado em tornar o mais transparentes possível o programa, convidando autoridades internacionais a visitar as instalações. O senhor acha que a desconfiança da comunidade internacional foi superada?
O que existe é conflito de interesses. É lógico que determinados países não veem com bons olhos um outro estar entrando no negócio. Isso é uma questão de interesse e até econômica. Mas cada um tem a sua soberania e toma suas decisões de acordo com seus interesses. Temos de entender e trabalhar para quebrar algumas resistências. E isso temos conseguido. E estamos dando uma transparência maior ao nosso programa porque isso, da mesma forma que dá o conhecimento para o outro e ele pode oferecer até alguma restrição, vai trazer muitas outras oportunidades de parcerias com outros países, para desenvolvermos uma tecnologia que traz um benefício tremendo para qualquer sociedade.