Os "cacerolazos" voltaram às ruas de Buenos Aires, mas foram insuficientes para barrar a determinação do presidente Mauricio Macri em aprovar três das reformas que o governo considera fundamentais para evitar o colapso da economia argentina. Por 127 votos a favor e 117 contrários, a Casa Rosada conseguiu fazer passar, em sessão que durou 17 horas, as mudanças na Previdência na Câmara dos Deputados (o Senado já havia aprovado a lei). Do lado de fora do Congresso, a capital explodiu em protestos, talvez os mais violentos desde os turbulentos anos 1999/2000.
Eleito em 2015 com amplo apoio do empresariado, Macri e a equipe econômica dizem que não há outra saída a não ser a implementação das reformas – sem as alterações na Previdência, o governo considera altíssimo o risco de falência do atual sistema. Por isso, a Casa Rosada, vitaminada pelas eleições de meio de mandato, em outubro, não admitiu grandes modificações do projeto. Mesmo com a pressão das calles.
A um primeiro olhar, pode-se inferir que trata-se de uma reforma mais limitada do que a que o governo Michel Temer pretende aprovar no Brasil. Na Argentina, a mudança é basicamente na fórmula para o cálculo das aposentadorias, pensões e programas sociais. Entretanto, tem alto impacto, porque mexe em uma das cláusulas praticamente pétreas de qualquer nova legislação: vale para quem já está aposentado e não para quem irá se aposentar. Ou seja, muda a regra do jogo com a partida em andamento.
Na Argentina, o benefício mínimo da aposentadoria subirá em março de 2018 de 7.246 pesos (R$ 1.355) para 7.623 pesos (R$ 1.425), aumento de 377 pesos (R$ 70,51).
As medidas, que devem virar lei até o dia 31, também são um revés para as políticas sociais criadas pela era Kirchner. Um dos principais programas é o Cota Universal Por Filho, espécie de Bolsa Família implantado nos anos de Néstor e Cristina, o casal K, no poder, entre 2003 e 2015.
A reforma da Previdência argentina atinge 17 milhões de pessoas de um total de 42 milhões de habitantes. Os reajustes agora serão trimestrais em vez de semestrais e serão indexados à inflação e aos salários do mercado formal de trabalho. Antes, eram calculados com base na arrecadação da Anses, o INSS na Argentina _ o que, na prática, tornava insustentável o sistema, com aposentadorias e pensões com correções acima da inflação. A oposição, formada por sindicalistas e todo o aparato kirchnerista, diz que isso implicará remunerações mais baixas. É verdade: na prática, o aposentados não perdem. Mas ganharão menos.
Macri enfrentou a fúria das ruas e venceu. Saiu fortalecido para encarar as outras duas reformas, trabalhista e tributária, que quer votar ainda no ocaso de 2017. Mais dias turbulentos virão para quem mora em Buenos Aires ou pretende passar uns dias por lá até 31 de dezembro.
O que muda
Os reajustes na aposentadoria serão a cada três meses, com nova fórmula: 70% pela inflação e 30% por salários (valor de mercado). O governo dará de uma só vez um abono compensatório.
Nova fórmula
Muda a regra de correção dos benefícios - necessária em um país com 21% de inflação ao ano - para cerca de 17 milhões de pessoas. Em vez de ajuste semestral, com base em 50% da evolução dos salários e 50% da arrecadação, será aplicado um ajuste combinado entre inflação (70%) e aumento dos salários formais (30%). Em março de 2018, em vez de conceder aumento semestral de julho a dezembro, de cerca de 12%, o aposentado terá reajuste de 5,7% sobre o que recebeu entre julho a setembro de 2016.
Primeiro aumento
Com a fórmula vigente, se um aposentado tem salário médio de 10 mil pesos (R$ 1.872), teria um aumento de cerca de 1,2 mil pesos (R$ 225) em março de 2018. Com a mudança, o aumento seria de 570 pesos (R$ 107).
Se um aposentado ganha 10 mil pesos (R$ 1.872) por mês, com a fórmula atual, que marca atualização semestral com base na arrecadação da Anses (INSS local) e dos salários, essa pessoa ganharia, ao todo, em 2018, cerca de 138,39 mil pesos (R$ 25,9 mil). Com o novo projeto, embolsaria 132,23 mil pesos (R$ 24,7 mil), cerca de 6.200 pesos (R$ 1,2 mil) a menos.
O abono
Para compensar perdas, o governo se comprometeu a dar um abono aos aposentados que ganham menos de mil pesos. O chamado bônus compensatório, ou abono, será de uma só vez.