Em 2004, a foto de um africano exausto em uma praia nas Ilhas Canárias, rodeado de turistas que se bronzeavam sem se importar com o sofrimento do homem, foi gatilho para o jornalista francês Grégoire Deniau acompanhar a jornada dos refugiados que tentam entrar na Europa. A reportagem deu origem ao documentário Traversée Clandestine, apresentado na quinta-feira em Porto Alegre, em evento promovido pela Aliança Francesa. A seguir, Deniau fala sobre crise migratória e terrorismo.
A cada ataque na Europa, volta-se a apontar o dedo para a crise dos reugiados. Há relação?
É totalmente falso. De vez em quando, há terroristas que vão escondidos no grupo de imigrantes que querem ir à Europa, mas são casos raros. Muitas pessoas que praticam atentados na França vivem na França. São franceses de origem muçulmana. Muitos têm passaporte francês ou europeu. Pessoas que vêm diretamente da Síria são raras. Mas, como a situação está difícil, é mais fácil dizer que é provocado por estrangeiros.
Muitos se radicalizaram por não se sentirem parte da cultura ocidental. Como incluí-los?
Inclusão social é o verdadeiro problema. É uma migração que tem mais de 50 anos. Muitos de seus pais, avós, vieram há muito tempo. Nesse tempo, todo mundo tinha trabalho, mas, como vivem nos mesmos bairros, muitos não aprenderam a cultura francesa, a viver com os franceses. Trabalhavam todo o dias e regressavam à noite, sem se comunicar muito com seus filhos. Depois, passou a haver menos trabalho, foram os primeiros a pagar esse preço. A terceira geração, que temos agora, nunca viu seus pais trabalharem. Seguiram fazendo tráfico de drogas, a moda era de assaltar, a cultura da violência. Agora, nos bairros pobres da França, a moda é ser islâmico. Muitos dos que cometem atentados são pessoas que, antes, eram conhecidos da polícia por tráfico de drogas e assaltos. Passaram um tempo na prisão. Antes, para ser considerado homem, teria de ser traficante de drogas, agora para ser homem tem de ser um bom muçulmano, mas muito radical. Sempre dizem que isso deve-se ao fato de, na França, não haver lugar para os muçulmanos. Não é verdade. A França não é um país mais racista do que os outros. Temos mais de 5 ou 6 milhões de muçulmanos para 60 milhões de habitantes.
O que mudou de 2004 para cá no drama da migração?
Nada mudou. Com as revoluções árabes, (os refugiados) conseguiram passar de novo pelo Mar Mediterrâneo e em barcos maiores. Nos barcos pequenos, quando passavam, eram 35, 40 pessoas. Agora, em barcos grandes, chegam a 400. Podem passar 5 mil a cada dia. Antes, a rota era pela Tunísia, hoje é Líbia, muito mais fácil porque não há um governo. A maioria quer ir para o Reino Unido. Gastam muito dinheiro. Uma pessoa que sair do Afeganistão chega a pagar US$ 20 mil. Outros que vêm da Síria, pagam entre US$ 5 mil e US$ 10 mil.
Como os europeus devem gerenciar a situação?
Antes de ver o problema dos imigrantes, os governos olham para seus próprios problemas. Tem de ter força, como Angela Merkel (chanceler alemã) para decidir abrir suas fronteiras. Vamos ver se o novo presidente francês (Emmanuel Macron) tem a mesma força.
Como atacar esse problema nos países de origem?
A única solução é que haja trabalho nesses países. Paz e trabalho. Na Síria, paz não será para amanhã. O Iraque está um pouco melhor. Nossos países têm de ajudar a desenvolver o país e não só tomar o petróleo do Iraque ou matérias-primas dos africanos. É necessário ajudar. Mas não é dinheiro. Se dá dinheiro, há corrupção.