Minhas duas experiências na Síria, em intervalo de poucos dias, em julho e agosto de 2006, foram muito rápidas, incapazes de me fazer consolidar uma visão aprofundada in loco daquele país. No auge da guerra de 30 dias entre Israel e o Hezbollah, o país dominado pelo clã dos Assad vivia tempos de relativa paz, era rota de passagem para entrar e sair do Líbano. Ainda que em passagens muito rápidas, guardo lembranças de uma das noites em Damasco, em um decadente hotel Sheraton, queda famosa rede internacional tinha apenas o nome. Militares com fuzis à mostra na recepção e detectores de metais nas portas – algo comum em qualquer grande hotel do Oriente Médio – eram o de menos.
O que me marcou foi a sensação de estar constantemente sendo observado pelo regime: da entrada no país, pela fronteira norte do Líbano, próximo a hoje devastada Homs, passando pelo check in no hotel, nos corredores, até chegar ao quarto e, principalmente, nas ligações para a Redação de ZH, em Porto Alegre. Percebi um Estado autoritário em seu sentido puro, opressor, que tudo sabe, tudo vê. Vivi um permanente sentimento de alerta, como se o próprio Basharal-Assad fosse se materializar na minha frente no corredor do hotel. Damasco é uma cidade na qual você não pode confiar em ninguém, nem no taxista, normalmente o primeiro nativo que jornalistas no Exterior têm contato. Essa era a dica de colegas que haviam passado pela Síria.
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A mão pesada da ditadura me vem à mente ao ver Aleppo ser conquistada esta semana. Al-Assa descreve uma história diferente da Primavera Árabe que vinha sendo de lineada, desde 2011, na Tunísia, no Egito e na Líbia. O ditado r balançou, mas não caiu, como Ben Ali, Mubarak ou Kadafi. Ainda que a conquista da cidade não signifique o fim da guerra, encerra-se um capítulo importante. Aleppo é um dos símbolos da revolta que tentou derrubar seu regime. Nos quatro anos de batalhas, provavelmente tenha sido uma das cidades mais devastadas desde a II Guerra Mundial. Já tem seu nome inscrito no livro infame da História, nas mesmas páginas de Dresden, Grozny e Sarajevo.
Em 2014, após o cerco a Homs, outra cidade rebelde, Al-Assad foi generoso: permitiu aos opositores, que já morriam à míngua, que se rendessem em troca de anistia. Viu-se na sequência a cooptação dos que tinham idade militar para as fileiras do exército, aquele mesmo que havia matado seus familiares.Tudo indica que não haverá a mesma saída aos moradores de Aleppo. Maior do que Homs, a cidade pagará um preço mais alto por sua rebeldia. Quem não fugir, será considerado combatente. Al-Assad irá “limpar” – para ficarmos no sujo jargão da guerra – o terreno.
A ideia é aniquilar qualquer bolsão capaz de germinar novos levantes. O que virá depois da queda de Aleppo? A mão pesada do ditador que senti no ar de Damasco e o risco da limpeza religiosa.