Neste giro anual da catraca, acumulam-se reflexões e análises sobre o "preocupante avanço da direita", que estaria entre os fatos mais relevantes de 2016. O destaque e a surpresa são compreensíveis. Entendem esses peritos que, após décadas de publicidade e crescente hegemonia esquerdista, todos deveriam saber que a direita é insensível, brutamontes e malevolente, enquanto a esquerda é compassiva, cordial e generosa. Tá bom.
O ano, então, foi marcado pelo impeachment de Dilma Rousseff e, no pleito de outubro, por impressionante perda de substância dos partidos à esquerda. Para quem supunha trilhar sem retorno o rumo da hegemonia, seguindo agenda científica, os tombos de 2016 reforçam a preocupação manifestada por Gilberto Carvalho durante a campanha eleitoral de 2014, quando reuniu no Palácio do Planalto um grupo de blogueiros e comunicadores ativistas. Ao lhes pedir redobrados esforços, o chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff sublinhou tal necessidade diante do surgimento de uma direita militante – "coisa que nós não conhecíamos há uns anos atrás". Nos meses seguintes, durante as manifestações de rua, essa direita militante exibiria força e civilidade, provocando inevitável comparação com a conduta quase sempre agressiva e violenta das manifestações a que a cordial esquerda, como senhora dos pneus queimados e das invasões, habituara a sociedade.
O ministro expressou com correção o que observava. Falava de algo novo e que produziu, rapidamente, efeito importante no debate político e junto à opinião pública nacional. Mas se limitou à descrição. Haveria muito mais a dizer! A novidade era bem maior e sobre ela escrevo estas linhas. O fato descrito por Gilberto Carvalho tinha importância superior e suas consequências iriam além da eleição que ocorreria semanas depois. Aliás, sob o ponto de vista da grande política, que supera o horizonte dos fatos, o fenômeno sobre o qual o ministro silenciou excede a própria Operação Lava-Jato e o impeachment de Dilma.
Desde meados do século passado, a esquerda brasileira se abastecia na Universidade para influenciar a cultura e a intelectualidade nacional e para manejar, em seu favor, os meios de comunicação e as igrejas. Mesmo a formação da massa de intelectuais orgânicos (para dizer como Gramsci) que iria agir nas bases só poderia acontecer, e acontecia, como consequência do produto disponibilizado pela cobertura do edifício do conhecimento. A Universidade, em especial a universidade pública – pública e notória nesse particular –, era o latifúndio do saber pouco produtivo, com título de propriedade passado em favor da esquerda e porteira fechada ao conhecimento divergente, não marxista.
No momento em que a internet se massificou e ocorreu a explosão das redes sociais (tão atacadas, nessas recentes críticas, como território "da direita"), a Universidade perdeu sua função de grã-sacerdotisa do saber filosófico e da interpretação da história, onde só autores marxistas podiam ser citados sem sarcasmo. Era fácil, então, num vácuo de substantivos, atacar com adjetivos. Tudo que não fosse esquerda era neoliberal, conservador, reacionário e por aí afora.
Entrementes, de modo sutil, pelo viés oposto, acontecia uma revolução do saber. A internet e as redes sociais, Olavo de Carvalho e seus cursos, cortavam os cabelos de Sansão e faziam emergir um grande número de novos autores e formadores de opinião que encontraram os meios de chegar ao público, multiplicando nas redes o conhecimento produzido por gigantes do pensamento até então jogados às traças nos desvãos das bibliografias e bibliotecas acadêmicas. É bem complicado, num debate, superar Russell Kirk, William F. Buckley Jr., Theodore Dalrymple, Friedrich von Hayek, Ludwig von Mises, Roger Scruton, C.S. Lewis, José Ingenieros e tantos outros. Ah! O corte dos cabelos do Sansão acadêmico, sobretudo, democratizou o saber.