Na sua imperecível obra máxima, República, Platão, o célebre filósofo grego (428-348 a.C.), idealizou as relações entre o Estado e a sociedade, lançando ali revolucionárias ideias sobre o funcionamento do ambiente terreno para o homem, debaixo de princípios e leis.
Uma das basilares regras de Platão era a de que as crianças, logo após nascerem e não dependerem mais da lactação, seriam desligadas de suas mães e seus pais e entregues ao Estado, recolhidas a grandes creches públicas, mais tarde aos colégios, com sustento e formação a cargo do poder governamental.
Os pais não teriam sobre sua prole qualquer responsabilidade, cabendo a eles exclusivamente o direito de visita a seus filhos.
Basicamente, com esse pressuposto, o grande sábio grego extinguia a família.
Na República de Pablo, na sociedade utópica que imagino, há igualmente um dispositivo extravagante, sério e profundo, tanto quanto essencial para a mecânica ideal da sociedade humana, a respeito do casamento.
A instituição que nos dias de hoje une um homem a uma mulher e os transforma em base da estrutura familiar sofreria uma, senão radical, pelo menos substancial modificação: o casamento teria prazos inicial e final fixos de vigência.
A lei ordenaria que o casamento, assim como a garantia que as fábricas de automóveis dão aos que os adquirem – que vai ou de um ano de uso ou 5 mil quilômetros de rodagem –, o casamento, repito, chegaria ao seu final com cinco anos de duração ou quando nascesse o segundo filho do casal.
Sendo assim, nas relações conjugais que idealizo, o casamento teria um prazo fixo, findo o qual os cônjuges se separariam, um iria para um lado, o outro seguiria sua vida para diferente direção.
Não haveria, como há hoje, o compromisso tácito de união definitiva, somente extinta após conflitos entre o casal.
Todos saberiam que seu casamento teria um prazo de validade. Aliás, observem que tudo na vida tem prazo de validade, desde os remédios e os alimentos até as próprias resistências do homem, que vão diminuindo à medida que ele se aproxima da velhice.
Evidentemente que não seria, na República de Pablo, vedado ao marido e à mulher, tendo completado cinco anos de casados ou gerado o seu segundo filho, continuarem na sua relação marital: bastaria que manifestassem conjuntamente à Justiça a sua vontade de prosseguir no casamento, sendo-lhes concedida prorrogação por mais três anos de relação conjugal.
No entanto, a sociedade e o Estado se precaveriam contra as desgraças existenciais das pessoas, proibindo-lhes terminantemente de intentarem, ao fim de oito anos de casamento, uma segunda prorrogação.
O prazo fatal do casamento seria exatamente o prazo máximo que dura uma paixão.
Entre outras tantas vantagens e avanços, essa minha ideia permitiria às pessoas não se sentirem, quando se casam, amarradas definitivamente a seus parceiros, transmitindo-lhes a confortável sensação de liberdade, no máximo, e no mínimo que aquele inferno característico do casamento era apenas um purgatório, isto é, uma passagem relativamente rápida, com data e limite certos de duração.
Acabaria o casamento como pena perpétua. Hoje, ela pode ser interrompida pela separação e pelo divórcio, mas na forma desaconselhável que eles estão instituídos, mesmo depois de desfeitos os laços conjugais, permanecem as atribulações, entre elas pensão alimentícia, guarda de filhos, xingação e ódio entre os ex-cônjuges, partilha, condomínio de bens, entre outras monumentais e infindáveis encrencas.
Com o casamento com prazo de validade legal, marido e mulher ingressariam na união matrimonial com a plena consciência da efemeridade de sua convivência, o que, a par de se jogarem sofregamente a se deliciar com ela antes que acabe, os levaria a planejar desde então vida nova após finda a relação, o que nos termos atuais é impossível: depois de uma separação ou de um divórcio, até juntar seus cacos íntimos e psíquicos, um ex-marido ou uma ex-mulher levam tanto tempo, que, quando veem, já estão mergulhados na escuridão da velhice e da impotência física ou moral.
Voltarei em breve ao assunto, mas, como podem ver os leitores, há muita sabedoria e propriedade em apenas este item da República de Pablo, que visa simplesmente a uma maior e melhor viabilização de vida feliz para a criatura humana nesse seu trânsito pela Terra.
Crônica publicada em 06/08/2001