A roda estava animada quando surgiu o dr. Fernando Lucchese, o famoso, renomado e competente cardiologista.
E Lucchese já foi entrando de sola: “Não concordo com a tua tese, Sant’Ana, de que a felicidade não existe e de que, se ela não existe, o dever do homem sobre a Terra é buscar apenas ser menos infeliz. A minha tese é de que a felicidade existe”.
Um dos integrantes da roda gritou para Lucchese: “Só existe uma maneira de ser feliz: é possuir um jatinho. Se vocês não sabem o que é um jatinho, eu explico: é não ter hora nem data para embarcar, poder embarcar a qualquer hora ou data na direção de qualquer paraíso, sem ter de marcar passagem, sem ter de passar por check-in, por nada, isso é a felicidade”.
O Ibsen Pinheiro, que estava atento ao debate, interveio airosamente: “Não é nada do que vocês estão dizendo. É feliz, só é feliz, quem se sente feliz. Pode a pessoa ser um desempregado, um pobre, um desdentado, se se sente feliz, eis aí a felicidade”.
Um gaiato que estava sendo servido pelo garçom obtemperou: “Como pode um desempregado, desdentado e pobre ser feliz?”.
Ao que eu ajuntei que não adianta a pessoa considerar-se feliz. O que interessa é se ela é realmente feliz. Como vou considerar que uma pessoa que se diz feliz o é realmente, se todas as suas circunstâncias são fatores decisivos para a infelicidade? Uma pessoa que não tem nada para ser feliz e afirma categoricamente que é feliz não passa de um idiota.
Por sinal, reforça uma tese antiga minha de que todos os idiotas são felizes.
O dr. Lucchese só teve tempo, no meio daquele tiroteio verbal e intelectual, para anunciar que dentro de um mês estará lançando um livro em que explicará a felicidade.
Mas foi tanta a vaia que Lucchese recebeu quando disse que a felicidade existe, que ele deu um jeito de se retirar da roda e ir pregar o seu otimismo em outra freguesia da festa.
O fato é que esta discussão sobre a felicidade foi anos atrás lançada por esta coluna. É um assunto que apresenta grandes rendimentos por um motivo: todos se interessam por ele, não há quem não pretenda ser feliz e muitos querem saber da possibilidade de alcançarem essa sua meta.
Vinícius de Moraes já definiu muito bem a felicidade:
“A felicidade é como a pluma/ que o vento vai levando pelo ar/ balança leve/ mas tem a vida breve/ precisa que haja vento sem parar./ A felicidade do pobre parece/ a grande ilusão do Carnaval/ a gente trabalha o ano inteiro/ por um momento de sonho/ pra fazer a fantasia/ de rei ou de pirata ou jardineira/ e tudo se acabar na quarta-feira”.
Ou seja, os sábios Vinícius de Moraes e Vicente de Carvalho já definiram a felicidade como apenas efêmera.
E o segundo foi mais longe e fundo quando afirmou:
“Esta felicidade que supomos/ árvore adorada que sonhamos/ toda arriada de mimosos pomos/ existe sim, mas nós não a encontramos/ porque está sempre apenas onde a pomos/ mas é que nunca a pomos onde estamos”.
* Crônica publicada em 19/12/2012