* Economista
Na última coluna, me dirigi diretamente às leitoras. Muitas me escreveram carinhosamente. Posso então continuar? Não quero abusar da sua paciência, leitora, mas tenho outro assunto relativamente urgente. Naquele dia, o meu tema foi você mesma – a mulher. Hoje, eu queria falar da criança – ou seja, do homem.
Schopenhauer (como Nietzsche, um misógino radical) dizia que as mulheres eram "crianças grandes: uma espécie de estágio intermediário entre a criança e o homem, que é, este sim, o adulto de verdade". Bem, atribuir ao homem – logo a quem! – a condição de "adulto de verdade" é totalmente falso. Mas vamos admitir que, sendo crianças grandes, as mulheres estejam bem posicionadas para entender o homem que, via de regra, nunca deixa de ser criança, intima e profundamente. E é isso que, para além de todos os recursos de sedução e encantamento, dá à mulher poder de compreensão e, em última instância, controle sobre o homem.
Volto a falar daquele filme do Truffaut, "O homem que amava as mulheres". O protagonista, Bertrand Morane, é fascinado pelas mulheres, vive e respira para elas. Numa determinada cena, ele está numa loja de departamentos e nota uma linda loura passando de vestido justo e salto alto. Ele a acompanha a certa distância, siderado, até que ela para diante de um painel de anúncios e prega uma oferta de "babysitting". Bertrand arranca o bilhete e telefona contratando o serviço.
A moça aparece na casa dele, no horário combinado. Ele, agitado, nervoso, oferece chá ou café, e se dirige à cozinha. Ela sente algo estranho no ar, entra no quarto para ver a criança e encontra debaixo da cobertas um boneco! Indignada, interpela o impostor: "O que é isso? Onde está a criança?". Ele hesita um pouco e depois responde sem sorrir, sem ironia, com certo desamparo: "Bem, a criança sou eu...".
A leitora sabe, de certo, que a experiência infantil é a chave para os segredos e impasses da vida adulta. Se a infância é infeliz, a criança geme dentro de nós vida afora. Truffaut – algo inusitado para um artista – chegou a explicar didaticamente o seu personagem, amparando-se no psicanalista Bruno Bettelheim. Segundo Truffaut, uma frase serviria de denominador comum aos amores de Bertrand: "Revelou-se, afinal, que ele nunca teve grande sucesso com a própria mãe".
O insucesso com a primeira mulher compromete, de saída, toda as relações posteriores. Resulta, por exemplo, na incomunicabilidade. A criança fica cerceada na capacidade de expressar os seus sentimentos, em primeiro lugar para a própria mãe. Os seus sofrimentos podem ser triviais quando olhados "objetivamente'', pelos olhos de um adulto – mas que dimensão adquirem para uma criança pequena!
Ao sofrimento em si, se soma a vergonha de estar sofrendo – como se a criança já pudesse ver o seu sofrimento "objetivamente", como irrelevante, e mesmo ridículo, mas nem por isso conseguisse deixar de sofrer, até intensamente, durante longos períodos. Sem dizer nada a ninguém, lá fica o pequeno, abandonado, refugiado nos seus brinquedos, livrinhos, ou num mundo de fantasia qualquer.
Com a criança, é preciso estar sempre atento aos pontos ocultos de sofrimento. E encorajá-la a falar sobre os seus medos e padecimentos, sem constrangimento. Legitimar, em outras palavras, o seu sofrimento, mesmo nas questões aparentemente ínfimas que podem, mesmo assim, atormentá-la e traumatizá-la.
Subitamente, me dou conta, leitora, de que estou ensinando o padre-nosso ao vigário. Tarde demais, vai assim mesmo.