Ao longo desses 16 meses, durante a pandemia, dois tipos de especialistas dividiram espaço na imprensa: os cautelosos e os pragmáticos. Refiro-me a infectologistas ou epidemiologistas que, embora fossem todos sérios e qualificados, pensavam diferente sobre a forma de enfrentar o vírus.
Os cautelosos eram sempre mais duros – pregavam um distanciamento social rigoroso, com períodos mais longos de restrições às atividades econômicas. Os pragmáticos também defendiam o distanciamento, mas avaliavam que era possível afrouxar as restrições assim que os primeiros sinais de queda nos indicadores aparecessem. Foi interessante, como jornalista, escutar (e apresentar) os argumentos das duas vertentes.
Agora, com a vacinação avançando e o número de internações claramente despencando, me pareceu importante ouvir com atenção os cautelosos. Por quê? Porque um certo otimismo entre os pragmáticos é previsível – mas, se até os cautelosos estiverem confiantes, então teremos um sinal claro de que o pior, de fato, pode ter ficado para trás.
– Eu não comemoraria de maneira tão efusiva – diz o infectologista André Luiz Machado, como bom cauteloso que é, para depois prosseguir: – Mas não dá para ser mensageiro do apocalipse agora, pelo contrário. Pela primeira vez, a gente percebe uma queda realmente sustentada, constante. As pessoas já podem, aos poucos, ir retomando suas rotinas, desde que com responsabilidade e prudência.
A tranquilidade do doutor André Luiz, que trabalha no Hospital Conceição, não é maior porque ainda é impossível prever o impacto da variante Delta no Estado – sabe-se que ela vem causando estragos por onde passa. Mesmo assim, ainda que a Delta chegue com força, o infectologista acha improvável atingirmos um pico de internações e mortes como o que vimos em março, por exemplo.
Acho difícil termos uma piora muito acentuada, a ponto de botar em perigo o que já conquistamos.
NATAN KATZ
Epidemiologista
Ronaldo Hallal, outro cauteloso muito respeitado, membro do Comitê Covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia, tem uma avaliação parecida:
– Se somarmos a população vacinada com as pessoas que adoeceram recentemente, já temos uma quantidade razoável de gente protegida. Isso nos dá uma boa perspectiva, embora ainda existam incertezas sobre a eficácia vacinal contra a variante Delta.
Ele acrescenta que o estímulo a novas aglomerações, incluindo o retorno do público aos estádios, também tem potencial para piorar um cenário que ainda guarda riscos. Afinal, boa parte dos torcedores pertence a uma faixa etária com índices ainda baixos de vacinação. O epidemiologista Natan Katz, que nem é exatamente um cauteloso – está mais para um pragmático moderado – concorda com Hallal:
– Não quer dizer que, daqui a pouco, com cada vez mais gente imunizada, não seja possível fazer essas liberações. De qualquer forma, acho difícil termos uma piora muito acentuada, a ponto de botar em perigo o que já conquistamos.