Chego a me emocionar quando penso no inestimável serviço que o presidente Michel Temer prestou à nação. Ninguém conseguiu o que esse homem fez. Valorizem-no. Aplaudam-no, enalteçam-no como eu agora o enalteço falando difícil igual a ele – pensando bem, canonizem-no de uma vez, porque é incalculável sua contribuição para o destino do país.
Obrigado, presidente, obrigado por ter feito pelo povo o que ninguém foi capaz em anos: o senhor, ao ser flagrado endossando o silêncio de Eduardo Cunha, ao indicar um ministro do governo para ser ministro do Supremo, ao propor reformas sem dialogar com a sociedade, ao reduzir o papel da mulher ao orçamento doméstico, ao priorizar interesses paroquiais como o apartamento de Geddel, ao ser mencionado 43 vezes na primeira delação da Odebrecht, ao prometer um ministério de notáveis mas preferir uma trupe de questionáveis, ao fazer tudo isso, presidente, o senhor conseguiu o inimaginável.
O senhor uniu o país.
Todos o desprezam, presidente, todos!
Do PSOL ao Democratas, da CUT ao MBL, do Lula ao Fernando Henrique, do Lobão ao Chico Buarque, dos petralhas aos coxinhas, dos machistas às feministas, dos veganos aos carnívoros, dos índios aos colonos, dos tamanduás às formiguinhas, do Zorro ao Sargento Garcia, todo mundo apoia a sua renúncia. Que golaço, presidente, que grande legado o senhor nos deixa, era disso que precisávamos. Um consenso, presidente, finalmente um consenso neste país!
Outras crônicas de Paulo Germano:
O prazer de falar mal dos outros
O que é música boa e música ruim
Defender pichação, era só o que faltava
Ninguém aguentava mais. Que coisa angustiante esse povo viveu nos últimos quatro anos: uma tensão ininterrupta, uma desarmonia total, uma cisão devastadora. Começou com as jornadas de 2013, vieram os protestos contra a Copa, as paralisações do setor público, a eleição de 2014, o processo de impeachment, os atos contra Dilma, os atos a favor de Dilma, a revolta dos caminhoneiros, o movimento Fora Temer, a eleição de 2016, a rebelião secundarista, as universidades ocupadas, não havia quem aguentasse tamanha agitação por tanto tempo, presidente, mas aí chega o senhor, um estadista de verdade, e resolve unir todo mundo.
Como não lhe agradecer?
Verdade que ainda há uma turma de bobalhões brigando por aí, um lado dizendo "cadê os batedores de panela?", o outro lado dizendo "cadê os que falavam mal da Globo?", mas mesmo esses bobalhões, presidente, o senhor sabe, mesmo eles querem que o senhor se exploda. Não é maravilhoso?
Aliás, fico pensando sobre a independência do Ministério Público e da Polícia Federal e concluo que, se num momento como este, em que a turma inteira do senhor tenta se livrar do lamaçal, se até neste momento as instituições trabalham com autonomia, então, presidente, é porque a República está se levantando, e não ruindo.
Estão todos contra o senhor, presidente. O Brasil está unido de novo, que bela notícia. Muito obrigado, Michel Temer, obrigado por tudo.