Na semana passada, fui massacrado pela direita por criticar o slogan Armas pela Vida – que, vão me desculpar, continuo achando ridículo. Mas, tudo bem, muita gente diz que ridículo é o que eu escrevo, então, até aí, trata-se apenas de opiniões divergentes. Nada de errado.
O preocupante é quando, por mais que você se empenhe para escrever cada sílaba e cada palavrinha com a maior clareza possível, ainda assim você percebe que, na verdade, não é que algumas pessoas discordaram: elas simplesmente não entenderam. Não captaram coisa nenhuma.
Nesse caso, o problema seria o emissor da mensagem (eu, claro), que se expressou mal? Ou o receptor da mensagem, que a interpretou mal? Bem, vejamos o que escrevi, logo no início do texto da semana passada:
"Em primeiro lugar, não sou contra o direito de alguém ter uma arma para se defender – desde que a arma fique em casa e que o sujeito tenha treinamento e aptidão psicológica para usá-la. Restrições ao calibre são cruciais também: não faz sentido legítima defesa com uma metralhadora que derruba avião. Dito isso, julgo-me isento para considerar o slogan Armas pela Vida uma sandice".
Parece-me ok. Ainda ressaltei, no texto, que o debate sobre o fim do Estatuto do Desarmamento é legítimo, mas que precisa ser tratado de forma séria e racional, não com paixões e demagogia. Ora, armas são pela morte, ainda que a morte seja em legítima defesa – e, paciência, alguém às vezes precisa morrer para que a legítima defesa seja exercida. Faz parte. Portanto, sou a favor da legítima defesa. Mas, repetindo, armas são pela morte, não pela vida.
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Centenas de leitores, se tivessem uma arma, teriam me presenteado com um tiro na testa. O vereador Valter Nagelstein (PMDB), um dos líderes do movimento Armas pela Vida, foi protestar em sua conta no Twitter: "Que democracia é essa? A do Paulo Germano, na qual só tem razão quem é esquerdinha igual a ele? Legítima defesa, então, não existe mais?".
Que coisa. Não me importo que Valter Nagelstein discorde de mim, mas em que momento eu disse que legítima defesa não deveria existir? E por que minha posição faria de mim um "esquerdinha"? A esquerda, em geral, defende o fim do comércio de armas para cidadãos comuns, não admite sequer que as pessoas tenham armas em casa. Eu, não. Eu, como escrevi no texto, entendo que as pessoas devam ter direito à posse de armas. Por um motivo simples: não me agrada nada o Estado decidindo sobre o que posso ou não ter dentro da minha casa.
Você pode discordar, claro, mas veja o que escreveu a vereadora Comandante Nádia (PMDB), outra integrante do Armas pela Vida que não gostou do meu texto: "(...) se até agora não vi nada ao teu respeito lutando pelo direito mínimo de ter armas em casa e no local de trabalho, então posso também acreditar que teu ataque a nossa causa é decorrente de mera inveja ou divergência política (...)".
Jesus, quantas vezes terei de dizer que não vejo problema em ter arma em casa??? Apenas me deem licença de achar o slogan e o logotipo de vocês – que mostra um revólver dentro de um coraçãozinho – de péssimo gosto, um desserviço para qualquer debate qualificado sobre um assunto tão delicado. Sei que vocês são contra o atual Estatuto do Desarmamento, e eu também tenho minhas restrições a ele.
Por exemplo: embora o estatuto já permita que as pessoas tenham armas em casa, ele exige um documento chamado declaração de efetiva necessidade. Quer dizer, não basta o sujeito comprovar sua aptidão psicológica, sua ficha limpa na polícia e sua capacidade técnica para atirar. Ele precisa informar por que deseja comprar uma arma. Aí a pessoa diz "porque tive minha casa assaltada oito vezes" e, mesmo assim, o delegado nega o pedido.
Não há critérios claros, é tudo muito subjetivo na tal declaração de efetiva necessidade, que acaba atentando contra o direito de alguém ter uma arma em casa. Isso precisa mudar, mas o Armas pela Vida defende o porte. Ou seja, o direito de andar armado na rua. Bem, aí não. Porque, se na minha casa eu posso ter o que bem entender, a rua não é minha, a rua é de todos – e eu tenho o direito de achar que nem todos seriam capazes de lidar com uma situação de risco sem levar risco a mais gente.
Mas sobre isso eu nem falei no texto da semana passada. Aliás, mais grave do que liberar as armas na rua é o estudo divulgado no ano passado pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa: apenas 8% dos brasileiros são plenamente capazes de interpretar um texto. É muito triste. Porque isso atinge desde as camadas mais pobres até vereadores.