No evento PG Pergunta, na terça-feira passada, o prefeito Nelson Marchezan defendeu a remoção de moradores de rua, mesmo contra a vontade deles, quando "não tiverem capacidade mental de decidir seu futuro". Essa incapacidade ocorreria em casos extremos de dependência de drogas, segundo Marchezan, que é favorável ao projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados para legalizar a internação compulsória.
O sociólogo e professor da UFRGS Ivaldo Gehlen, um dos coordenadores da pesquisa que apontou 75% de aumento da população adulta de rua nos últimos oito anos em Porto Alegre, tem visão oposta à do prefeito.
Em casos de doença mental ou dependência química, faz sentido a internação compulsória?
Quem é que define se a pessoa perdeu o controle sobre sua capacidade de decisão? É uma questão muito delicada, entra na vida privada das pessoas. A retirada compulsória de pessoas em situação de rua me parece uma postura discriminatória. Muitos estão lá porque querem estar, por opção. Algumas pessoas viveram situações que as levaram para a rua e, ao longo do tempo, foram incorporando um modo de vida na rua. Não sabem viver de outra forma. Para mudar esse modo de vida, só através de um processo lento, que demora anos. Retirada forçada não faz o menor sentido, é contra o próprio ser humano.
Marchezan disse não achar normal pessoas viverem na rua. O senhor acha normal?
Não considero normal haver moradores de rua, mas muitos deles acham normal o modo de vida deles. O prefeito pode ter sua opinião, mas os especialistas pensam diferente. Fico com a opinião dos especialistas – psicólogos, assistentes sociais, pesquisadores da sociologia e da antropologia –, não com a do político. Não vejo, na literatura, uma defesa dessa posição do prefeito, que é político-ideológica, e não baseada em conhecimento científico. A existência do andarilho é milenar. Não é fruto da sociedade moderna, mas uma condição de vida que existe há milhares de anos. A humanidade sempre conviveu com essas pessoas.
Os moradores de rua, na sua visão, não representem um problema?
O morador de rua não é um problema, o problema é não dar a eles o atendimento necessário. Eles não têm banheiros noturnos, por exemplo. E desempenham um papel importante na cidade. Só a coleta de recicláveis, por exemplo, é um papel muito importante. Eles levam segurança, não insegurança, aos ambientes onde vivem. É preconceito achar que eles levam insegurança. Eles não roubam, não cometem violência contra outras pessoas, são poucos que pedem dinheiro. É um incômodo visual.
Não se deve trabalhar para diminuir a população de rua?
Podemos chegar a uma situação, mais adiante, em que ninguém mais precise ou queira ficar na rua. Mas não creio que isso vá acontecer. Mesmo países como Estados Unidos, França, Inglaterra, que têm recursos suficientes, não conseguem eliminar os moradores de rua, porque é um modo de vida. Sendo um modo de vida, as pessoas escolhem viver assim. E são pessoas que participam, que têm ideias e propostas para elas próprias, mas às vezes não vão na direção do que a gente acha que é melhor.
A pesquisa da UFRGS, da qual o senhor foi um dos coordenadores, mostrou um aumento de 75% da população de rua adulta em Porto Alegre. O que houve?
Houve um crescimento real dessa população, mas também porque eles mesmos passaram a se assumir como moradores de rua. Adquiriram maior visibilidade, passaram a ocupar os espaços. Em Porto Alegre, 0,12% da população está em situação de rua – esse número, em relação à população total, é insignificante e é compatível com outras grandes cidades. Não há uma anormalidade especial. O mais importante não é esse número, mas como vive essa população. Isso é o que a gente deve se perguntar.
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