Eu ando um chato. Essa mania de tentar enxergar por todos os lados, ponderar aqui e ali, apontar virtudes onde há defeitos e apontar defeitos onde há virtudes, tudo isso tem me irritado. Alguns dizem que subi no muro – pois eu digo que sou apenas chato. Um morrinha. Isentão do inferno. Portanto, não custa avisá-lo: caso prossiga a leitura, estimado leitor, terá de aguentar essa xaropada aporrinhante de alguém que só fica refletindo e ponderando e elucubrando porque, paciência, o que posso fazer?, ninguém me convenceu ainda de que esteja tudo tão certo ou tão errado.
Essas ocupações de escolas, por exemplo. Eis um assunto em que sou chato. Primeiro, porque essa reforma do Ensino Médio defendida pelo governo, embora provoque urticária nos secundaristas indignados, não me parece todo esse horror. Pelo contrário: a proposta aproxima o Brasil, ainda que timidamente, de boa parte dos países que vale a pena considerar. Na Alemanha, na França e nos Estados Unidos, um adolescente tem uma série de alternativas quando atinge a idade do Ensino Médio – já no Brasil, o currículo é igual para todo mundo, e isso o governo quer mudar.
Concordo que cada disciplina do currículo atual pode ser útil e importante. A questão é que, quando somadas, provocam uma saturação insuportável. Lembro bem disso nos meus tempos de colégio. Em meio àquela enxurrada de assuntos, as aulas de cada disciplina iam pulando de tema em tema num ritmo tão frenético que, embora a intenção fosse me ensinar de mais, no fim eu aprendia de menos. Claro: o que quer que se estude, que seja em profundidade, dizia Alfred North Whitehead.
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A evasão escolar ocorre, em grande medida, porque os alunos consideram os conteúdos chatos e desinteressantes. Por que será? Ora, porque as pessoas só gostam do que entendem. E, como as pessoas levam um tempinho para entender uma novidade, se o currículo dispara e o aluno é atropelado pelo próximo assunto antes de compreender o anterior, ele acaba não entendendo nada – e, portanto, não gostando de nada. Era o que eu sentia em uma das melhores escolas de Porto Alegre, imagine o que se passa em colégios públicos com índices pavorosos.
Então, bem que eu queria tomar um lado, deixar de ser chato, parar de ponderar, não bancar o isentão e assumir que, neste caso, estou junto com o governo, só que esse governo é um desastre absoluto na comunicação com a sociedade. Os mesmos países que oferecem alternativas de currículo aos adolescentes adotam, em suas democracias, um instrumento banal chamado white paper – ou documento em branco. É muito simples. Quando um governo planeja mudanças significativas em políticas públicas, ele lança um white paper revelando suas intenções, apresentando as diretrizes e propondo uma linha de ação.
A partir daí, a sociedade civil passa a debater, a imprensa passa a repercutir, os alunos dizem o que pensam, os professores também, aí o governo responde às dúvidas e acata o que achar prudente até que, seis ou 12 meses depois, toma sua decisão. E toma a decisão que quiser, afinal um governo precisa decidir – mas antes ele propôs um debate, uma discussão transparente.
O que fez o governo brasileiro? Restringiu a discussão a um grupelho acadêmico e empurrou uma medida provisória no afogadilho. Os alunos reagiram com um "pode parar, que isso aqui não é a casa da mãe joana". Justo. Não interessa que Michel Temer tenha só dois anos de governo, não interessa que precise correr para entrar para a História, isso é problema dele. Em qualquer país democrático, reformas se debatem. Ponto.
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Dizem que os estudantes, ao ocuparem as escolas, violam o direito de outros alunos dispostos a assistir às aulas. É verdade, como também é verdade que o governo violou o direito deles – que são atores indispensáveis da comunidade escolar, que conhecem o ambiente da escola como ninguém, que vivem a educação muito mais do que qualquer deputado – de serem ouvidos em um processo que os atinge diretamente.
A secundarista Ana Júlia Ribeiro, naquele discurso na Assembleia Legislativa do Paraná, tinha razão ao dizer que é uma ofensa chamá-los de doutrinados. Ora, jovens pensam. Podem até pensar bobagem de vez em quando, mas, se um governo recusa-se a ouvi-los neste caso específico, vai ouvi-los quando?
Então, bem que eu queria tomar um lado, deixar de ser chato, não bancar o isentão e assumir que, neste caso, estou junto com os estudantes, só que um movimento também precisa saber a hora de recuar. Por causa das ocupações, o Enem já foi adiado para mais de 240 mil candidatos, e ainda há um risco de colapso no calendário de acesso à graduação no ano que vem. Se o movimento não recua, corre o risco de se tornar tão autoritário quanto a postura do governo que denuncia.
Em resumo, a intransigência vem de todo lado. Mas ninguém me convenceu ainda de que esteja tudo tão certo ou tão errado.