Ouça a coluna na voz de Paulo Germano:
Tenho um amigo que traiu e se arrependeu. Chorava um caudal na minha frente, a culpa se derramando entre soluços. Queria contar para a namorada, dizer a verdade, implorar por perdão. Eu, ao vê-lo arrasado daquele jeito, ofereci-lhe um ponderado conselho:
– Tu cala essa tua boca, seu idiota.
Nenhum personagem da esfera amorosa me irrita tanto quanto o arrependido sincero. Ele faz a bobagem (ok, todo mundo erra) e depois se arrepende (ok, é legal se rever), mas, em vez de assumir sozinho o sofrimento que causou a si próprio, obriga a pessoa que o ama a sofrer também. Usa sua crise de consciência não como ferramenta de autocrítica, mas como instrumento de destruição de quem, ao contrário dele, não tem culpa alguma. Quer dizer: além de trair, arrebenta a autoestima de quem lhe é leal. Impõe, a quem lhe é leal, a desgraça de se sentir trocado, humilhado e diminuído como um cachorro doente.
– É que prefiro ser sincero...
Pois pegue sua sinceridade e enfie sabe onde? Na sua relação consigo mesmo. Porque o adúltero que se arrepende, antes de trair a namorada ou o namorado, trai a si mesmo. Senão, não se arrependeria. Ele trai seus valores, seus princípios éticos – e é esta traição, somente esta, que provoca a culpa que ele agora quer dividir em nome de uma sinceridade estúpida, sem qualquer traço de compaixão. E sinceridade sem compaixão deixa de ser sinceridade, torna-se crueldade.
– Chora e sofre sozinho, porque esse é um problema teu, não dela. Pelo menos agora, vê se preserva a mulher que te ama – foi o que disse ao meu amigo.
Vou revelar daqui a pouco se ele seguiu meu conselho. A questão é que, antes de escrever este texto, contei a mesma história para uma colega, que por pouco não me bateu na cara.
– A namorada tinha o direito de saber! – argumentou ela. – Era um direito para decidir se continuaria com ele ou não!
Fiquei pensando. Cada vez mais me convenço de que NÃO saber também é um direito.
Peguemos outro exemplo: você está em um restaurante e encontra a mulher de um amigo com outro homem. O que faz? Em uma enquete rápida aqui na Redação da Zero, descobri que 80% contariam para o coitado. Pois eu, embora respeite a vontade da maioria, não contaria coisíssima nenhuma.
Primeiro, porque só me meto em problema dos outros se tiver certeza de que ajudarei a resolvê-lo. Quem disse que, ao denunciar a traição da mulher, farei bem ao meu amigo? Quem disse que ele terminará com ela se ficar sabendo? E, se decidir continuar com ela, quem me garante que, para ele, não seria mais confortável jamais ter sabido de nada.
Conheço pessoas que traem regularmente seus companheiros há anos. E seus companheiros, não tenho dúvida, conhecem essas pessoas muito melhor do que eu conheço. Sabem quem elas são, quais são seus defeitos, seus atributos, suas visões de mundo, suas minúcias emocionais e comportamentais. Portanto, dispõem de elementos suficientes para ler os sinais e as pistas que invariavelmente as pessoas dão. Todo mundo dá pistas, todo mundo dá sinais o tempo inteiro, mas a gente pode lê-los ou ignorá-los. Para alguns, pode ser mais cômodo ignorá-los, e tudo bem.
É um direito.
E quem sou eu para interferir nesse direito? Por isso, não conto nada.
Mas, voltando ao meu amigo lá do início, não adiantou de nada o meu conselho e ele contou para a namorada que havia saído com outra. Resultado: ela o perdoou, e ele nunca mais pulou a cerca. O problema é que a mulher desenvolveu uma paranoia, um ciúme obsessivo que enxerga sinais onde não existem. Compreensível – ela se traumatizou, e o casal vive em crise constante.
Meu amigo hoje diz que errou ao ter contado a verdade, mas reconhece que o erro maior foi anterior: quando traiu a namorada, traiu seus princípios. É isso. Não há nada pior do que trair a si mesmo.