Ao anunciar que o PSOL não apoiará ninguém na reta final da eleição, Luciana Genro disse uma frase intrigante:
– Neste segundo turno, não há nenhuma opção menos pior para Porto Alegre.
Fiquei pensando. É possível, de fato, não haver um candidato menos pior? Será que um deles não pode ser pelo menos um pouquinho, nem que seja um tiquinho de nada, mas só um bocadinho mais qualificado do que o outro? Porque vamos combinar que nunca, em toda a história da humanidade, a ciência conseguiu encontrar duas pessoas exatamente iguais na face da Terra, então imagine duas pessoas iguais vivendo logo em Porto Alegre e, numa coincidência ainda maior, concorrendo à prefeitura da cidade. Puxa, daria uma boa matéria. Mas creio que não seja o caso.
Na quarta-feira, foi a vez de o PT de Raul Pont emitir sua posição sobre o segundo turno: "(...) a abstenção e os votos não válidos são um legítimo direito de resistência (...) ao resultado eleitoral conservador (...)". Quer dizer, anular o voto seria melhor do que votar em um dos candidatos, porque os dois seriam a mesma porcaria.
Compreendo o PSOL e o PT. Seria impensável que um desses partidos apoiasse Marchezan Júnior (PSDB), notório defensor do impeachment de Dilma Rousseff, ou Sebastião Melo (PMDB), que é do partido de Michel Temer. A questão é que um partido político tem compromissos – legítimos, é verdade – diferentes das obrigações de um cidadão.
O partido é uma entidade, um repositório de ideias e teorias que, ao menos em tese, serão aplicadas quando a legenda chegar ao poder. Já o cidadão é aquele que, na prática, exercerá direitos e deveres impostos ou subtraídos por quem estiver no poder. Partido é teoria; cidadão é prática.
Por isso, nunca me pareceu conveniente o voto nulo, embora seja compreensível um partido defendê-lo. No dia 30 de outubro de 2016, ainda que 90% das pessoas se recusem a votar neles, um dos candidatos que disputam o segundo turno se consagrará prefeito da minha cidade. E ele vai, quer eu queira, quer não, interferir na minha vida, na sua, na do seu filho, na da minha mãe, na do morador da Cruzeiro, na do morador do Moinhos. Um cidadão não escapa de um prefeito; um partido, sim.
Mas grande parte dos eleitores de Luciana Genro e Raul Pont tem anunciado o voto nulo. Decidi ouvir o que diriam sobre o assunto dois dos maiores expoentes da esquerda gaúcha. Suas trajetórias são tão respeitadas, tão centradas na independência e na retidão, que os colocam acima de qualquer partido: são os ex-deputados Flavio Koutzii, 73 anos, e Marcos Rolim, 56. Koutzii discorda frontalmente de mim:
– Também sempre fui contra anular o voto. Só que o voto é filtrado pelas circunstâncias históricas que vivemos. Temos uma candidatura do PMDB, que governou mal esta cidade nos últimos 12 anos, que governa o Estado de forma desastrosa e que é o aríete principal do golpe no Brasil. E temos uma candidatura do PSDB, que representa todas as forças conservadoras. Nesta época sombria e tomada pelo ódio, o ato de votar é ainda mais importante, precisa ser o mais nítido possível. Dirão alguns que o voto nulo ficará invisível. Digo eu que explicitá-lo como escolha é o começo da politização, além de uma fração da nossa resistência.
Já Marcos Rolim faz uma avaliação mais próxima da minha:
– Meu impulso maior seria anular o voto. Mas, embora tenhamos como alternativas duas composições políticas conservadoras e comprometidas com a política tradicional, parece-me um pouco egoísta adotar essa postura de objeção de consciência. Votar nulo seria colocar a minha identidade à frente do futuro da cidade. Portanto, vou me decidir pelos programas de governo dos candidatos. E votarei naquele que sinalizar mais concretamente o caminho para algumas mudanças na administração pública.
Eu aqui, embora sempre tenha enxergado o voto nulo como inútil, reconheço a consistência da argumentação de Flavio Koutzii. Ao negar qualquer anuência aos dois candidatos, a manifestação política é tão concreta quanto o voto em um deles. Mas em uma questão não arredo pé: não tenho dúvida de que um é, sim, melhor do que o outro – ou, no mínimo, menos pior, se você preferir a expressão de Luciana Genro. E, enquanto não houver duas pessoas exatamente iguais concorrendo em um segundo turno, uma delas ganhará o meu voto.