Acusado de abocanhar parte do salário dos servidores, contratar funcionários fantasma, pagar contas de familiares com verba desviada, fraudar notas fiscais e financiar com dinheiro público o tráfico de drogas, Jardel deve retornar à Assembleia Legislativa na próxima quarta-feira. É quando termina sua licença-saúde de 30 dias. Viciado em cocaína e acossado por um processo de cassação no Conselho de Ética, o deputado havia pedido afastamento porque estaria em depressão.
Às vésperas da licença, Jardel cumpria no parlamento uma rotina melancólica. Passava as sessões inteiras, quatro ou cinco horas seguidas, sentado em sua cadeira no fundo do plenário, assistindo com olhar distante ao revezamento de colegas na tribuna.
– Ele não entendia nada. Não alcançava o raciocínio dos deputados – lembra um ex-assessor.
Para manter uma imagem de respeito ao mandato, era orientado a nunca espiar o celular. Vivia um tédio contínuo. Os demais deputados mal o cumprimentavam. Primeiro, porque queriam distância de um parlamentar mergulhado na lama. Segundo, porque o próprio Jardel era incapaz de sustentar um minuto de conversa sobre política.
– Era meio triste aquilo – lembra um deputado que sentava perto dele. – Os parlamentares sempre se reúnem em pequenos grupos no plenário, trocam ideias sobre projetos ou emendas, dão risada, viram amigos. E o Jardel vivia isolado, meio boquiaberto, acho que com vergonha.
Relembre a entrevista ao programa La Urna:
Ao lado da cadeira dele, um assessor permanecia em pé do início ao fim das sessões. Sua missão era orientar o deputado sobre como votar em projetos que envolviam finanças ou qualquer assunto levemente árido. Mas, mesmo entre os dois, havia pouco assunto. Jardel se mantinha calado, enfarado, o queixo apoiado na mão.
Meses antes, quando o Ministério Público denunciara o escândalo, o respeitado advogado Amadeu Weinmann assumiu o caso propondo uma limpa no gabinete. Botou funcionários de sua confiança e exigiu que Jardel se tratasse para largar a droga. A nova equipe passou a agendar palestras que o deputado faria em clínicas para dependentes químicos.
– Queríamos mostrar para ele que o mandato podia ser útil. Porque, dentro da Assembleia, ele se sentia um fracasso – conta um antigo chefe de gabinete.
Jardel saiu a percorrer o Estado com um discurso de combate às drogas, mas, em menos de três meses, Weinmann abandonou o caso.
– Saí por questões de foro íntimo – é o que diz o advogado.
Conforme ex-assessores, ele se demitiu porque o cliente seguia cheirando.
O caso Jardel se consolida como o retrato mais emblemático da falta de escrúpulos de boa parte dos partidos brasileiros. Ele é do PSD, sigla que nunca serviu para nada além de parasitar. Gilberto Kassab, fundador do partido, era ministro de Dilma um mês atrás e, agora, já é ministro de Temer. Quando criou o PSD, definiu a orientação ideológica da legenda com uma das respostas mais espetaculares da história da política nacional:
– Não é de direita, nem de esquerda, nem de centro.
Durante a campanha de 2014, lembro que perguntamos a Jardel, em uma tragicômica entrevista no programa La Urna, justamente isso: se ele era de esquerda ou de direita. Respondeu que era de direita porque, bem... se considerava uma pessoa muito direita. O PSD, claro, nunca deu a mínima para as ideias de Jardel – que nunca teve ideia nenhuma –, mas, para sugar uma nesguinha de poder, lançou um homem visivelmente doente como candidato à Assembleia.
Líder do PSD no Estado, o deputado federal Danrlei rompeu relações com Jardel depois do escândalo. E disse que tinha "a consciência tranquila" por ter apoiado a candidatura do ex-colega gremista:
– Fiz o que faria por qualquer amigo.
Como se a política servisse para isso, para empregar qualquer amigo, mesmo que ele não tenha a menor condição de ocupar uma vaga. Aliás, como se expor alguém desse jeito fosse coisa de amigo.
Jardel é um pobre coitado que nas próximas semanas deve, com justiça, ter seu mandato cassado. Mas um amigo de verdade estaria com ele agora, não na hora de sugar sua fama e expô-lo ao ridículo. Estaria agora dando-lhe apoio para colocá-lo onde ele deveria estar há muito tempo: em uma instituição de saúde.
Enquanto amigo nenhum aparece – e enquanto partidos como o PSD avançam na sua senda parasitária –, a partir de quarta-feira teremos Jardel de novo na Assembleia Legislativa.