Tem gente que debocha do vereador João Carlos Nedel (PP), conhecido por batizar ruas, avenidas, praças, travessas, becos, acessos, alamedas, passagens, viadutos e qualquer coisa por onde circule gente em Porto Alegre. Uma ruela sem nome? Nedel fica louco, dizem que sente até comichão. Em cinco mandatos na Câmara, já apresentou mais de 400 projetos nomeando logradouros do Sarandi ao Lami.
Tem uma vila na Zona Leste onde as ruas se chamam Pintassilgo, Siriema, Andorinha, Gaivota, Bem-Te-Vi, João-de-Barro, Beija-Flor, Albatroz e Gralha Azul. Tudo coisa do Nedel. Uma vez, ele conversava com a comunidade sobre qual seria o nome ideal para uma viela, aí o traficante do morro soube da visita e enxotou o vereador aos berros, porque, se a rua tivesse nome, seria mais fácil descobri-lo. Deve ter sido chato.
Confesso que sempre achei uma tolice essa fixação do vereador. Até que um dia, ao encontrá-lo na porta do plenário, questionei-o duramente: que orgulho ele poderia sentir, após quase 20 anos de Câmara, ao ostentar como marca de sua trajetória um amontoado de alcunhas viárias?
- Muito orgulho, sim! - endureceu ele, e eu ergui a sobrancelha. - Você não sabe o que é viver sem um endereço. As pessoas sofrem para pagar suas contas, porque a correspondência nunca chega. O Samu não consegue encontrá-las. Parentes que vêm de fora não conseguem achá-las. Se precisam da CEEE, ninguém aparece. Se precisam do Dmae, é a mesma coisa. Nem uma pizza podem pedir, meu amigo! O cara diz que mora na Rua 2, por exemplo, mas só na Restinga tem 40 ruas 2. Uma pessoa sem endereço, acredite, é uma pessoa sem dignidade.
E eu calei a minha boca. O vereador tinha toda a razão: uma rua batizada é mais do que importante, é uma prerrogativa para exercer direitos.
Lembrei do Nedel nas últimas semanas, quando sua colega Mônica Leal, também do PP, apresentou um projeto para a Avenida da Legalidade voltar a se chamar Castelo Branco. Tenho me perguntado que interesse público pode haver nisso. A controvérsia começou há dois anos, quando os vereadores Pedro Ruas (hoje deputado estadual) e Fernanda Melchionna, ambos do PSOL, propuseram que a avenida trocasse de nome porque homenageava um ditador.
Não sou contrário às revisões históricas, desde que cumpram critérios claros. Se o critério é erradicar menções a ditadores em equipamentos públicos da cidade, tudo bem, Castelo Branco foi mesmo um déspota, mas o governo de Getúlio Vargas, por exemplo, matou, perseguiu, torturou e censurou muito mais do que nos três anos de Castelo como presidente. E a Avenida Getúlio Vargas segue lá, tranquilona.
Deus me livre defender os anos de chumbo. O que quero dizer é que, quando não há critérios claros guiando discussões candentes, abre-se espaço para uma picuinha ideológica que pouco importa à população. E a perda de tempo ganha tal proporção que, veja só, Mônica Leal continua, dois anos depois, gastando energia nessa bobagem.
Trocar o nome da Avenida Castelo Branco nunca foi uma bandeira que o povo ergueu - era uma bandeira de Pedro Ruas e Melchionna. E derrubar o novo nome, Avenida da Legalidade, tampouco interessa ao grande público: interessa a Mônica Leal.
De todas as funções de um vereador, nenhuma é mais nobre do que se imiscuir entre as pessoas, recolher suas queixas e lutar para resolvê-las. Nesse sentido, as recônditas ruas Pintassilgo e Gralha Azul - nomes que os próprios moradores sugeriram, eis o critério - representam muito mais do que a ilustre avenida cujo nome nenhum de nós escolherá.