Há tempos queria saber como funciona a corrupção. Liguei para um tarimbado político gaúcho e pedi que me explicasse. Na manhã seguinte, lá estava eu, sentado em frente a sua mesa em um escritório na zona nobre de Porto Alegre, tomando café preto enquanto ele me abria o jogo. Não divulgarei seu nome – nosso pacto foi esse, eu preservaria sua identidade e ele me contaria o que já fez. E o que já viu.
– Ninguém se considera corrupto. Todos acham que entrar no esquema é inevitável – avaliou ele, que já foi deputado estadual e federal, além de secretário do Estado.
Mas onde começa o esquema?
Ele lembrou de um jantar com um empresário japonês que pensava em investir no Rio Grande do Sul. Na hora da conta, no Plaza São Rafael, o oriental se fez de rogado e foi tomando o rumo da porta, devagarinho. Tudo bem, o secretário pagou no próprio cartão e, no dia seguinte, pediu restituição ao tesouro do Estado. Não deu certo.
– Não existe dotação orçamentária para isso, acredita? Tive que tirar do meu bolso. Só que a gente se dá mal uma vez; duas vezes, não.
Depois de reclamar para o secretário-geral de governo, veio a solução. Não levou uma semana para um empresário gaúcho, do ramo da construção civil, bater à porta de seu gabinete com uma conversa muito simpática:
– Soube que está precisando de ajuda...
Quer dizer: para continuar contando com a simpatia do governo, o construtor oferecia contrapartidas – entre elas, uma mesada para secretários estaduais do Rio Grande do Sul. Antes de pedir seu quinhão, minha fonte fez alguns cálculos, que incluíam:
1) Jantares, diárias em hotéis e outras despesas do dia a dia;
2) Salário informal para assessores que trabalhavam com ele na Assembleia Legislativa, quando era deputado, mas que perderam seu cargos porque havia menos vagas na secretaria estadual;
3) Gastos com gráfica e correio para confeccionar e enviar folhetos à casa de eleitores que precisavam saber por onde ele andava.
– Nunca peguei nada para mim. Mas tinha gente que pedia R$ 20 mil, só usava R$ 10 mil e embolsava o resto – contou-me ele, que recebia a mesada todo dia 30 em um envelope.
Alguns secretários guardavam parte do dinheiro para usar na próxima campanha. Ele, não. Mas houve uma vez, quando concorria a deputado, em que recebeu o telefonema de um poderoso parlamentar federal que queria encontrá-lo. Quando chegou ao local combinado, em uma rua quase deserta na periferia de Esteio, viu uma caminhonete estacionada com um motorista lhe fazendo sinal:
– Ei! Pode entrar aqui atrás.
E, no banco de trás, resguardado pelo vidro fumê, o influente deputado cumprimentou seu convidado, tirou do paletó um gordo envelope e depois sorriu:
– Uma ajudinha para a sua campanha.
Cinquenta mil reais. Dinheiro não declarado. O clássico caixa 2. Por que aquele deputado federal botava dinheiro na campanha de outro, em vez de investir tudo na própria candidatura? Ora, em um projeto de poder, aliados são fundamentais. Veja o caso de Eduardo Cunha, por exemplo: dezenas de bajuladores manifestam todo dia uma comovente lealdade ao blindá-lo de investigações e defendê-lo como um rei. Seria por amor?
Em quase duas horas de conversa, ouvi histórias de vereadores que cobravam dinheiro para apresentar ou retirar projetos; de empresas que pagavam propina para receber isenções fiscais; de um secretário estadual que recebia fortunas para proteger uma quadrilha de jogos de azar.
– Tem gente sem-vergonha mesmo, que fica rica. Mas tem gente que só entra no esquema porque a roda precisa andar.
Tudo bem, mas ninguém se recusa a entrar no esquema? Não há ninguém que jamais compactuaria com qualquer irregularidade?
– Olha, até pode haver, mas o sistema é assim. Para sair do sistema e virar um Pedro Simon ou um Olívio Dutra, demora um tempinho.