Não tenho filhos, mas pretendo tê-los e estou arrasado. Deprimido, inclusive.
Boa parte das convicções mais sólidas que construí sobre a forma como gostaria de criá-los desapareceu subitamente, escorreu pelo ralo, foi para o lixo como fralda descartável.
Malditos psicólogos infantis. Por que fui ler aquele artigo da CNN?
Em primeiro lugar, devo esclarecer que crianças mal-educadas me irritam. E, não sei se o leitor concorda, nunca vi tantas como nos últimos tempos. Esses dias mesmo, em um churrasco de fim de ano, com toda a filharada da firma, cheguei todo simpático e dobrei os joelhos para cumprimentar um alemãozinho com cara de querido, mas na verdade era um demônio furibundo que, ao perceber minha aproximação, saiu correndo, berrou nãããão, escondeu-se atrás das pernas da mãe e, lá de longe, ainda apontou a língua para o meio da minha cara de idiota, que é com cara de idiota que a gente fica quando está com os joelhos dobrados sem uma droga de criança para dar um beijo.
- Ele é tímido - justificou a mãe, com uma risadinha.
Ora, desde quando timidez é desculpa para ser um desaforado malcriado?
E naquele momento, recuperando-me da patada, lembrei com vaidade da disciplinada forma como fui criado e que, até o meu mundo cair na semana passada, seria a forma como criaria meus futuros e educadíssimos filhos.
- Dá um beijo no tio - mandava o meu pai, e lá ia eu orgulhá-lo com uma bitoca na visita que jamais tinha visto.
Com o passar do tempo, não era preciso pedir mais nada: minha irmã e eu distribuíamos sem cerimônias abraços e beijos em quem quer que fosse, e todos se admiravam com a nossa impressionante educação - que, segundo o tal artigo da CNN, estava completamente errada.
"Não sou dona do corpo do meu filho" é o título do texto da jornalista Katia Hetter, divulgado no Brasil pelo blog Mamãe Plugada, de Marilia Ometto. Ao entrevistar uma série de psicólogos infantis e consultores de família, Katia Hetter conclui o seguinte: forçar crianças a tocar adultos contra a vontade delas acaba deixando-as mais vulneráveis a potenciais abusadores sexuais.
Isso realmente me perturbou.
O argumento é que, ao obrigar o filho a dar um beijinho em alguém, mesmo que seja na vovó, os pais estariam violando o "senso de proteção" da criança - e esse senso de proteção todos nós temos: ele é responsável por nos alertar sobre qualquer situação que nos deixe desconfortáveis perto de outra pessoa. Com o senso de proteção abalado, a criança entenderá que precisa aceitar sempre, em toda ocasião, o carinho de um adulto.
Portanto, ressalta o artigo da CNN, os filhos devem desenvolver sua própria intuição e decidir, por sua única e exclusiva vontade, se beijam ou abraçam o tio do churrasco.
Esse texto me incomodou duplamente. Primeiro, porque perdi meu chão, não faço mais a menor ideia de como vou orientar meus filhos - embora continue achando criança e beijo uma combinação mais indispensável do que feijão com arroz. Segundo, porque passei a divagar sobre o que, afinal, se passou pelo inconsciente daquele alemãozinho que correu de mim apavorado. Teria a sua jovem psique me avaliado como um, sei lá, tarado em potencial?
Eu, hein? Não quero mais beijo de piá nenhum.