Pedi licença a Jardel e chamei meus colegas num canto:
- Temos que pegar leve.
Em cinco minutos, iniciaríamos a famosa entrevista dele ao La Urna. Havia uma armadilha ali: nunca, em 10 anos de jornalismo, tinha deparado com alguém tão frágil, o que era um problema. Candidato a deputado, Jardel parecia carregar um novelo no lugar da língua, de tanto que se enrolava. Mantinha um olhar apático, suspirava com certa aflição e, quando se dirigiu à atendente do bar de Zero Hora, ninguém entendeu o que pedia.
- Não tem condições de dar entrevista - avaliou Gustavo Foster, um dos repórteres.
Não poderíamos ser muito duros. Se fôssemos implacáveis, se houvesse um pingo de deboche na conversa, nos transformaríamos em vilões, e Jardel, em vítima. Seríamos chamados de canalhas prevalecidos, ainda que questioná-lo fosse nossa obrigação.
Relembre a entrevista de Jardel ao La Urna:
Encerrada a conversa, voltamos a postos. E Jardel protagonizou a entrevista mais bizarra já concedida por um candidato a cargo eletivo na história do Brasil. Um fenômeno de audiência até fora do país. Três semanas depois, o inimaginável: ele seria eleito com 41 mil votos - e uma bola de culpa se instalaria na minha goela. Teria eu contribuído para a eleição daquele homem? Teria a nossa entrevista influenciado eleitores a votarem em Jardel, talvez por misericórdia a um ídolo decadente ou por deboche à classe política?
Corta para esta semana.
O deputado federal Danrlei, que apadrinhou a candidatura de Jardel no PSD, é entrevistado no programa Timeline, da Rádio Gaúcha. Lá pelas tantas, Danrlei solta uma declaração que me faz levantar da cadeira, apertar os olhos e abrir a boca enquanto aumento o volume do rádio:
- O que fiz por ele, faria por qualquer outro amigo.
Não pode ser verdade, penso eu. Mas Danrlei prossegue, em tom de voz ponderado, enfatizando que sua "consciência está tranquila" porque "jamais imaginaria algo assim".
Deputado, com todo o respeito, mas um de nós enlouqueceu completamente. Como é possível eu me sentir culpado por ter entrevistado o candidato mais despreparado de todos os tempos enquanto o senhor, que fez intensa campanha para ele, mantém a consciência inabalada? Tanta gente votou nele porque o senhor pediu, deputado.
E sobre isso de ajudar um amigo: lembro que um grande amigo queria trabalhar aqui na Zero, mas com muita educação precisei demovê-lo da ideia, já que esse amigo, infelizmente, não atenderia às exigências da vaga. O que evitei fazer com a empresa na qual trabalho - indicar um mau funcionário apenas por ser meu amigo - o senhor fez com a sociedade, deputado. E o senhor é pré-candidato a prefeito de Porto Alegre, deputado! Como posso confiar em um prefeito que, na política, ajuda qualquer amigo apenas por ser amigo, deputado???
- As pessoas vão dizer que a culpa é minha - previu o senhor na Gaúcha, sugerindo uma injustiça.
O senhor eu não sei, mas eu, que ainda me sinto culpado, vou me dirigir à sociedade e fazer o que ainda espero do nobre deputado: pedir perdão. Se de alguma forma aquela entrevista contribuiu para a eleição de Jardel, por favor, me desculpem.