Nossas histórias têm caligrafia própria.
A forma da letra nos identifica, por isso a treinamos, buscando uma imagem ideal, como quando fazemos caras e bocas no espelho. Quer escrevamos em garranchos de médico, em estudada letra de professor, em sofridos traços de quem teve pouca escola ou em estilosas maiúsculas de arquiteto, há uma razão de ser na estética, tamanho e cadência do que colocamos no papel. Não é à toa que existem grafólogos, que sabem ler a linguagem do traço. A assinatura, com a qual emprestamos valor e seriedade a tanta coisa, nos sintetiza.
Aos nove anos, passei a usar o sobrenome do meu padrasto. Era algo que desejava, portanto preparei-me com pompa para a nova assinatura. Sem determinação consciente, mudei de letra e nunca mais escrevi em cursiva. Imitei o traçado dos cadernos artísticos de uma colega que admirava — aliás, ela virou arquiteta. Sempre quis que meus caóticos e borrados cadernos escolares parecessem algo melhor, mas na ocasião o que importava era sua escrita em maiúsculas.
Em inglês, chamam-nas de "letras capitais", como as cidades mais importantes, como a pena que ceifa uma vida, como um valor investido. Maiúsculo, dizemos nós, nome superlativo, como esperava do que dali em diante se tornaria o meu. Se hoje tento escrever em cursiva, volta-me a letra de criança de nove anos, retrato congelado daquela cuja vida abriu um novo parágrafo. Acho que, também sem querer, escolhi que as letras não fossem coladas. Era uma identidade nova, peças soltas que passarei a vida tentando juntar.
O escritor Fabrício Carpinejar também tem uma história de filiação através da letra. Ele era, como eu, um desastre de aluno. Quando informado pela mãe de que no dia seguinte teria de assinar sua primeira carteira de identidade, ficou apavorado. Com urgência, treinou fazendo calcos dos autógrafos do seu já famoso pai. Sua primeira assinatura foi um plágio, uma apropriação, prenúncio da herança artística dos dois pais poetas, que mais adiante reivindicaria para si. "A letra do meu pai me deu colo", ele definiu. No meu caso, foram as maiúsculas que deram colo para meu novo pai.
Quando os teclados tomaram conta da escrita, os presságios para o futuro da capacidade de escrever à mão foram terríveis. Como tantos apocalipses, este não se confirmou. Entre os mais jovens, virou mania a arte do lettering. Uma caligrafia esmerada, que compõe diários-agendas, nos quais compromissos, confissões e ideias espalham-se graciosamente por páginas que não vexariam um monge escriba. Nas tatuagens que contêm palavras com que nos revestimos para sempre, as formas, os tipos de letras usados fazem toda a diferença.
Chegamos até aqui como civilização escrevendo: documentando contabilidades, leis, memórias e ficções. Não posso afirmar que isso nos tornou boa gente, mas, se temos algum potencial para ser melhores, acredito que o cuidado com a escrita pode ajudar. A letra manuscrita é um ato de amor às palavras, e nesse caso as aparências não enganam. Vê-la resgatada com tanta graça me enche do otimismo de que as coisas se transformam, mas o essencial talvez não se perca.