Vi os carros destroçados. Não tive a dignidade de desviar os olhos daquelas pessoas sem vida sobre o acostamento. Os veículos envolvidos no acidente eram um táxi branco de aeroporto e outro carro fora da pista. Logo atrás, estava parado um segundo táxi branco, intacto. Nos acidentes, tudo é uma questão de minutos: nosso carro podia ter feito parte da tragédia, ou mesmo ter chegado a tempo de prestar ajuda. Me tocou passar ao largo, pois já havia assistência, apenas engrossaria o inútil grupo de curiosos.
Nossos caminhos mais nos escolhem do que são escolhidos. Dá medo pensar na força do destino.
Um mês depois, foi minha vez de embarcar em um táxi branco do aeroporto Salgado Filho e foi inevitável comentar sobre o acidente. Os dois carros envolvidos na tragédia eram daquele ponto, haviam sido contratados por um grupo de estrangeiros que precisava atravessar a fronteira. O acaso favoreceu meu motorista: ficou de fora por ser o terceiro da fila.
O mais velho e mais experiente dos dois taxistas que foram ofereceu-se para viajar na dianteira, conhecia melhor o caminho. Perto do momento decisivo, uma criança que viajava no primeiro carro passou mal e foi preciso assisti-la, o de trás o ultrapassou. Um minuto depois, o motorista mais jovem colidiu com outro veículo desgovernado na contramão. Oito pessoas morreram. Não foi a vez do motorista mais velho, que até pouco ia na frente. Não foi a vez do meu interlocutor, que era o terceiro da fila. Não foi minha vez de passar ali no instante do encontro com a morte.
A culpa nos assombra quando outro é sorteado pela fatalidade. É difícil ficar grato ao acaso que nos salvou, visto que ele escolheu outra vítima. Podemos agradecer aos céus, se tivermos fé, porém é difícil pensar que o Criador tenha reservado destino tão ruim a outro alguém. Essas são as situações em que as ideias religiosas precisam recorrer a raciocínios sinuosos, pois a morte é indômita, injusta e cega.
O motorista pôs-se a falar do destino, lembrando uma amada de quem se separou, pois não queria sair daqui, que era o projeto dela. Frente à aleatoriedade da morte, que passou de raspada, ele precisou afirmar para si mesmo que, pelo menos no amor, ele segurou as rédeas. Amores seriam escolhas, oportunidades que se oferecem e aproveitamos, até criamos, ou não. Só que seu pensamento era uma cilada do inconsciente. Detalhe: o sinistro aconteceu próximo da fronteira, quando aquele grupo tentava sair do país, e a tal namorada que ele deixou queria levá-lo consigo para além das nossas fronteiras.
Aliás, encontros amorosos também costumam ser fortuitos. Por questão de detalhes, duas pessoas podem ser, ou não, sorteadas para uma oportunidade de encontro. Nossos caminhos mais nos escolhem do que são escolhidos, não há como prever se serão breves ou longos, ditosos ou penosos. Dá medo pensar na força do destino. Chegamos, minha casa é aqui, quanto é? Muito obrigada, bom trabalho! Bom dia para a senhora!