O texto abaixo foi enviado ao colunista por dois economistas que se debruçaram sobre os efeitos do novo governo americano na América Latina em geral e no Brasil em especial. Dois pontos atiçam a curiosidade do colunista: 1) eles lembram a teoria de David Ricardo em defesa das trocar comerciais entre países, que faz 200 anos em 2017 e que Trump, na prática, rejeita; 2) eles, com muita propriedade, alertam para a grande possibilidade de a implementação rápida das medidas de Trump provocarem efeito global principalmente nesta ano.
Leia texto da coluna sobre os efeitos de Trump na região e no Brasil
Leia ccolunas de Léo Gerchmann sobre América Latina
Leia abaixo a íntegra do artigo:
Pedro Raffy Vartanian*
Hugo de Souza Garbe**
Em 20 de Janeiro de 2017, Donald Trump tomou posse como 45º presidente dos EUA. Apesar de muitos analistas terem defendido a possível diferença entre o discurso de campanha e as ações efetivamente adotadas na condição de eleito, o que se tem observado é que as promessas de campanha estão sendo gradativamente cumpridas, visto que Trump vem implementando medidas polêmicas, como a construção do muro na fronteira com o México e a retirada dos EUA do Tratado Transpacífico, que é um acordo de livre comércio com os países do Pacífico cujas discussões se iniciaram no governo de Barack Obama.
As medidas confirmam uma tendência de aumento do protecionismo comercial na maior economia do mundo, com uma série de reflexos para os países emergentes, com destaque para a América Latina.
Desde a campanha eleitoral até a posse e já no início do mandato, o presidente Donald Trump vem adotando uma narrativa econômica individualista e fechada, que vai na contramão dos princípios modernos de economia internacional, que têm como preceito fundamental as relações comerciais bilaterais, multilaterais ou em bloco que sejam benéficas para os seus países membros. Adicionalmente, adotou, como pano de fundo, um discurso beligerante com seus principais parceiros econômicos, sem aparente respaldo técnico e ancorado em objetivos populistas de satisfazer seu eleitorado, com ênfase para os produtos de origem mexicana e chinesa, cuja produção “tira emprego dos trabalhadores estadunidenses”. As afirmações vão na contramão de teorias de comércio que mostram exatamente o contrário. A teoria das vantagens comparativas, desenvolvida por David Ricardo em 1817, mostra justamente os ganhos que os países têm com o livre comércio e a especialização de acordo com a produtividade de cada um dos países.
Nesse cenário, desde a eleição de Trump, o peso mexicano se desvalorizou de forma acentuada. O governo dos EUA, principal parceiro comercial do México, anunciou incremento significativo nos impostos com o país vizinho, o que gerou impactos negativos na bolsa de valores mexicana, resultando em queda de quase 30% no valor das ações negociadas.
Empresas multinacionais já adiaram decisões e aguardam desdobramentos para realizar investimentos no México, uma vez que a incerteza econômica não é favorável ao ambiente de negócios. Em períodos de incerteza econômica, os mercados tendem a ser mais cautelosos, visto que uma variável importante, para que seja possível mensurar as perspectivas de crescimento e desenvolvimento de um país ou região, é a política econômica adotada por determinado país, que neste caso é a maior economia do mundo. Vale ressaltar também que as mudanças e a incerteza sobre o futuro da economia estadunidense geram reflexos especialmente importantes para toda a América Latina, tendo em vista a proximidade geográfica, entre outros aspectos.
No Brasil, como se já não fosse suficiente o ambiente político-econômico deteriorado após uma série de desequilíbrios macroeconômicos como a inflação, déficit fiscal e desequilíbrio externo, cuja correção parcial já resultou em dois anos consecutivos de queda no produto, a política de Donald Trump pode surtir efeitos negativos, pois os EUA constituem o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.
Historicamente, os republicanos são considerados liberais em termos econômicos, o que aumentaria as possibilidades de transações comerciais. No entanto, Donald Trump, com o objetivo de reduzir o déficit das transações comerciais com o resto do mundo e, diante da crença de que irá preservar empregos em seu país, tende a impor restrições ao comércio, inclusive com o Brasil. De uma forma geral, as restrições econômicas mais significativas devem acontecer ao longo de 2017, o que sugere especial atenção neste ano. Ainda que os países citados no discurso de forma mais recorrente sejam o México e a China, o aumento do protecionismo dos EUA em relação a China implica que, provavelmente, a China demandará uma quantidade menor de matérias-primas que importa do Brasil, com reflexos na balança comercial brasileira. O aumento do protecionismo dos EUA pode resultar, também, em uma tendência ao protecionismo em outros países, com reflexos também negativos para a economia brasileira. A única possibilidade de benefícios para o Brasil ocorreria em um eventual cenário de substituição, pelos EUA, de importações do México e da China por importações de produtos brasileiros, ou por importações de matérias-primas do Brasil em caso de deslocamento da produção da China e do México para o território estadunidense. Nesse contexto de incertezas presentes e futuras, resta torcer para que os efeitos da política econômica na principal economia do mundo sejam benéficos para a economia brasileira.
*Professor Doutor do Mestrado Profissional em Economia e Mercados da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.
** Economista, Mestre em Administração de Empresas e Mestrando em Economia e Mercados da Universidade Presbiteriana Mackenzie.