O roteiro elaborado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está sendo seguido de forma linear e, até por isso, provoca sobressaltos. Depois de assinar decreto para erguer um muro nos 3,2 mil quilômetros de fronteira com o México, o presidente americano usou o Twitter na manhã de ontem para recomendar que o colega mexicano, Enrique Peña Nieto, não fosse à reunião bilateral marcada para a próxima terça-feira, em Washington. E, seguindo o script, Peña Nieto acatou a sugestão e cancelou a viagem.
– Está instaurada uma grande crise anunciada. Muitos esperavam que Trump não seguiria o que dizia, que seriam só bravatas. Mas ele usa os 15 primeiros dias para assinar tudo que puder – diz Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
E o que virá depois desses 15 dias? Cristina acredita que será o momento de aplainar os ânimos e retomar as relações, mas em novos termos. O risco que ela identifica é o de os EUA, ao mesmo tempo em que mantêm empresas americanas dentro das suas fronteiras e imigrantes ilegais fora, perdem influência política. Com isso, a China se aproveitaria para atrair o México, que se veria impelido a buscar alianças.
Especialista em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a professora Maria Izabel Valladão interpreta o "jogo duro" de Trump nos primeiros dias como uma forma de se aproveitar da dependência do México, que tem 80% das suas exportações direcionadas ao poderoso vizinho.
– Ele se aproveita dessa situação. Está sendo previsível, mas é imprevisível o que virá depois. Trump não é um político. É um empresário que joga pesado e que está sendo assim também como presidente. Só quer saber da melhor fatia do bolo para os EUA, que são só o que lhe interessa. Aproveita os primeiros dias para fazer tudo o que pode enquanto tem capital político – diz Maria Izabel.
Ex-embaixador vê aumento de apoio ao presidente
As duas professoras coincidem que o Brasil deveria se aproveitar da situação. Se a China já negocia com os países do Tratado Transpacífico (TTP), do qual os EUA anunciaram a saída, o governo brasileiro deveria fazer o mesmo quando os americanos diminuírem as relações com a Aliança do Pacífico (México, Chile, Colômbia e Peru).
De Miami, o embaixador Rubens Barbosa, que serviu em Washington entre 1999 e 2004, relata que os americanos começam a se alinhar ao presidente.
– A bolsa subiu, e a opinião pública já vira a favor de Trump. O cancelamento da reunião tensiona, mas isso se acomodará. Não tinha como a reunião se manter depois que Trump pôs no Twitter que Peña Nieto não deveria ir se não pagasse o muro, que deve custar entre
US$ 12 e US$ 15 bilhões. Após a radicalização, se negociará sobre muro, imigração e o acordo de livre comércio regional (o Nafta) – diz Barbosa.
Da parte de Peña Nieto, a pressão para cancelar a reunião era intensa, em especial da oposição. Presidenciável do PAN (centro-direita), Margarita Zavala considerou o muro uma ofensa e o definiu como "monumento ao ódio e à intolerância." O senador Armando Ríos Piter, do PRD (centro-esquerda), também exigiu o cancelamento da reunião. Líder da esquerda mexicana, Andrés Manuel López Obrador disse que vai recorrer a tribunais internacionais para impedir a construção da barreira. Em frase que repercutiu bastante, Obrador disse que "o muro nos agride e deixa a Estátua da Liberdade como lenda".
Peña Nieto iria à reunião com Trump decidido a pôr na mesa temas como a imigração, o Nafta e o muro, que ele vê como "forma de separar em vez de unir". Trump, porém, disse que "falou desde o início" sobre a barreira. Analistas veem consequências amplas da questão migratória nos aspectos comerciais, culturais e geográficas. Como diz o cientista político João Paulo Peixoto (UnB), "o problema será para todos os latino-americanos" que buscam o México como porta de entrada para os EUA, e o erguimento do muro provocará o agravamento de "ressentimentos históricos" na longa fronteira entre os dois países.